“Viver na guerra é viver sem comida, sem água, sem remédio e com medo, medo de tudo. Você ouve um barulho e acha que a sua casa vai desabar. E a minha casa desabou mesmo. Aconteceu uma vez. Mudamos. Outra vez. Mudamos de novo. A cada dia podíamos circular em uma área menor e menor da cidade, já que estávamos sob ataque. Acabaram também com a minha escola. Tiraram a vida da minha melhor amiga, Yasmin. Quando eu vi a casa dela sendo bombardeada, corri, corri muito para tentar fazer alguma coisa, mas meus pais me seguraram. Pensei: o mundo precisa saber o que está ocorrendo em Alepo, nesse inferno da Síria, e fiz o que uma criança pode fazer. Comecei a tuitar. Tinha 7 anos e minha mãe me ensinou. Tirava foto, mostrava o horror. Surgiram milhares de seguidores do mundo inteiro. Até a J.K. Howling, escritora dos livros do Harry Potter, que eu adoro, passou a me seguir. Toquei o coração das pessoas.
Crescer na guerra é comemorar cada dia como se fosse aniversário. É ver corpos na rua e seguir seu caminho para não ser atingido. Essa lembrança vai ficar comigo para sempre. Ela me faz valorizar tudo o que eu tenho agora. Tenho até uma escola, dá para acreditar? Eu e meus pais moramos na Turquia desde 2017. Continuo a tuitar, a falar da Síria. Só não posso tocar em política. Acham que eu estou a serviço dos inimigos. Os adultos acham muita coisa. Hoje minha mãe dá aulas de inglês e meu pai ajuda os sírios a ir para a Turquia. Meu sonho é voltar para meu país. No ano passado, me convidaram para subir ao palco do Oscar do cinema americano e cantei em homenagem a Alepo, a Yasmin e às crianças que morreram. Para quem deu sorte e está aqui, eu digo: meninas e meninos, podemos parar uma guerra.”
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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