O carro sendo consumido pelo fogo em Paris serve de termômetro para a escalada da temperatura nas incandescentes ruas da cidade, desde seus primórdios tão habituada aos protestos. Desta vez, o que agita as labaredas é a proposta de reforma da Previdência empunhada pelo presidente Emmanuel Macron, a mesma que já foi tentada por ele próprio, em 2019, e por antecessores, mas sempre engolida pela falta de apoio político e popular. A medida posta à mesa propõe um aumento da idade mínima para a aposentadoria de 62 para 64 anos, vital para estancar um rombo que, com o país envelhecendo e os contribuintes minguando, chega a 10 bilhões de euros — e segue em rota ascendente, com aumento previsto de 40% até o fim da década. A matemática financeira, porém, não freia a ira dos franceses (74% são contra) nem o poder mobilizador dos sindicatos, à frente de greves que têm paralisado serviços fundamentais — transporte, saúde, educação — e já encheram os encantadores bulevares com mais de 1 milhão de manifestantes em um único dia. Não será fácil aprovar o plano de Macron, que não tem maioria na Assembleia. Por isso, ele tenta selar laços à direita. O impasse poderia ser resolvido na base de um decreto, mas a popularidade do presidente viraria pó. Enquanto isso, as ruas continuam efervescentes.
Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829