O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou claro, por repetidas vezes, que deseja mediar a busca pela paz na guerra que devasta a Ucrânia desde que Vladimir Putin decidiu invadi-la, e pesa condenações com cuidado para não inviabilizar seu papel de apaziguador. Em entrevista ao jornal espanhol El País, publicada nesta quinta-feira, 27, Lula voltou a falar de “violação territorial”, mas também fez críticas veladas ao envio de armas e ajuda bélica a Kiev pela Europa.
“O Brasil condena a guerra porque a Rússia não tem o direito de invadir o território ucraniano. Então os russos estão errados”, disse o líder brasileiro.
Anteriormente, Lula fez uma série de comentários que colocaram a Rússia e a Ucrânia em pé de igualdade na culpa pelo início do conflito. Em entrevista à revista TIME no ano passado, quando ainda não era candidato oficial à presidência, disse que Putin e Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, ambos tinham responsabilidade pela guerra. Neste ano, ele voltou a dizer que “quando um não quer, dois não brigam”, e causou controvérsia ao afirmar que a Ucrânia teria que fazer concessões, dando a Crimeia à Rússia. O petista afirmou ainda que “não cabe a mim dizer” a quem pertence a Crimeia.
As falas, principalmente as mais recentes, geraram um mal-estar diplomático entre o Brasil e o mundo chamado ocidental, especialmente Estados Unidos e Europa, irritados com ambiguidade e tentativas de equilíbrio. Após a Casa Branca dizer, em seguida à visita do chanceler russo, Serguei Lavrov, a Brasília, que as falas de Lula eram “problemáticas”, o presidente voltou a seguir o roteiro de condenar a “violação territorial da Ucrânia”.
Ainda assim, o petista defende seu projeto para criar um “grupo de paz” a fim de sanar o conflito por meio de vias diplomáticas. Na entrevista ao El País, ele afirmou que os membros desse clube precisam ser países que estejam menos “envolvidos” no conflito que as nações europeias, citando China, México e Indonésia nominalmente.
“Ou você alimenta a guerra ou tenta acabar com ela. Para mim é mais interessante falar sobre acabar com esta guerra”, alfinetou, ecoando uma fala anterior em que sugeriu que os Estados Unidos e a Europa estariam “prolongando” os embates devido ao envio de armas para a Ucrânia.
“Acho que a Europa tem um papel mediador, deveria adotar uma espécie de meio termo. A Europa se envolveu muito rapidamente”, completou.
Lula alegou ainda que “ninguém fala de paz, só eu”, dizendo que frustrou-se quando foi falar com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o líder alemão, Olaf Scholz, com o chinês Xi Jinping e o francês Emmanuel Macron.
Perguntado sobre o que a Ucrânia deveria fazer sem ajuda bélica – lutar sozinha? –, Lula saiu pela tangente explicando o motivo porque recusou-se a enviar munições de tanques a Kiev, solicitadas pelo governo alemão. “Se um míssil for lançado e a Rússia descobrir que o Brasil o vendeu, o Brasil entra na guerra. E quando você entra, não pode falar de paz”, justificou.
Para ele, é preciso que haja um grupo de países “que não estão de forma alguma ligados à guerra” para restabelecer a paz. “Putin acredita que tem razão, e Zelensky, invadido, tem o direito de se defender. Então, quem vai acabar com a guerra?”, perguntou o presidente brasileiro.
Lula disse ainda que é preciso “convencer” Putin a parar de bombardear a Ucrânia, para que diplomatas possam sentar-se à mesa para negociar. “[Putin] ainda não está convencido. É o dilema, porque muitas vezes a gente começa a guerra e não sabe como parar”, declarou.
Para “construir pilares”, como colocou Lula, o Planalto enviou Celso Amorim, assessor de Relações Exteriores da Presidência, a Moscou para conversas com o líder russo. Daqui a alguns dias, Amorim vai a Kiev para uma reunião com Zelensky.