Além de perder a eleição e ser obrigado a deixar de ser presidente, uma função que adora exercer, Donald Trump enfrentará uma pendenga extra quando voltar a ser cidadão comum: uma penca de processos nas costas, parados devido à imunidade que o cargo acarreta. São seis ações já em andamento e outras em potencial, pacote explosivo que alimentou nas últimas semanas intensas especulações de que um dos gestos finais do presidente na Casa Branca será proteger a própria pele, atribuindo a si mesmo um perdão presidencial preventivo. Não só a si, aliás — fala-se de indulto adiantado aos três filhos mais velhos, ao genro Jared Kushner e ao atrapalhado advogado Rudolph Giuliani.
Em matéria de atos de clemência presidenciais, Trump foi o mais frugal dos mandatários: beneficiou 45 pessoas em seus quatro anos, contra milhares indultados pelos antecessores. A diferença está no nome dos beneficiados — praticamente todos são amigos ou apoiadores. A seleção dos perdoados foi colocada sob suspeita na terça-feira 1º, quando o Departamento de Justiça abriu investigação sobre um suposto pagamento de propina, na forma de doação ao Partido Republicano, em troca de indulto a uma pessoa não identificada.
Trump não está acostumado a se sentir ameaçado por ações na Justiça. Embora as tenha acumulado ao longo de sua trajetória nos negócios e no showbizz, ele desenvolveu uma impressionante habilidade para adiar, manobrar e se desviar delas, sempre amparado em um exército de advogados de primeira. Mas os quatro anos de Casa Branca acenderam holofotes sobre seus problemas com a lei e insuflaram o ânimo de seus desafetos para, desta vez, fazer a roda andar. Nas ações que correm em Washington e em Nova York, Trump é acusado de lavagem de dinheiro, obstrução de Justiça e de fraudes fiscais e eleitorais — além de desdobramentos de casos de assédio sexual.
Dois processos em Nova York reviram os balanços financeiros das empresas Trump. Um deles, que examina suspeitas de fraude em transações bancárias, tributárias e de seguros, além de falsificação de registros, teve como ponto de partida a origem do dinheiro com que o então advogado de Trump, Michael Cohen (em prisão domiliciar), tentou calar duas ex-amantes — uma delas a notória Stormy Daniels. O outro explora o artifício muito usado por ele de desidratar artificialmente o valor de seu patrimônio para pagar menos impostos. Em Washington, a questão é se o presidente usou o cargo para lucrar com a hospedagem de dignatários estrangeiros no hotel de seu grupo na capital.
As outras ações são pessoais. Duas são movidas por mulheres que, durante seu mandato, o acusaram de abuso sexual no passado. O crime, se houve, já prescreveu. Mas Trump negou tudo em termos pouco graciosos — “Ela não faz meu tipo”, disse sobre a colunista E. Jean Carroll — e acabou processado por difamação. Por fim, a sobrinha Mary Trump, além de escrever um livro desancando o tio, está exigindo na Justiça uma parte da herança do avô que lhe teria sido surrupiada. Ainda não é processo, mas pode vir a sê-lo, com potencial de prejuízo político, a acusação de obstrução da Justiça nas investigações sobre suposta ação da Rússia a seu favor na eleição de 2016. Caso saia da Casa Branca sem perdoar a si mesmo, voltar ao rame-rame da vida de milionário comum não trará moleza para Trump.
Publicado em VEJA de 9 de dezembro de 2020, edição nº 2716