Tirando o Talibã, a milícia radical que está reinstalando no Afeganistão as leis islâmicas na sua versão mais rigidamente conservadora, ninguém comemorou, agora em agosto, o primeiro aniversário da atabalhoada retirada militar americana e da volta dos extremistas ao poder. Enquanto militantes armados percorriam Cabul gritando slogans e agitando bandeiras para celebrar a data, os afegãos penavam sob uma crise econômica e humanitária de enormes proporções. Renegando declarações de que tinham aprendido a lição do fracasso do regime repressivo de 1996 a 2001, o novo Talibã se parece cada vez mais com o velho. Em março, 1 milhão de meninas que retornavam à escola pela primeira vez em oito meses foram mandadas para casa de última hora. No mês seguinte, o líder supremo, Hibatullah Akhundzada, ordenou que todas as mulheres se cobrissem dos pés à cabeça, de preferência escondendo também o rosto por trás das malfadadas burcas. O temido Ministério da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício foi ressuscitado, emissoras estrangeiras saíram do país e funcionários públicos são obrigados a ter barba. Ao lado da repressão social, a economia agoniza: 55% da população passa fome, resultado de um mix de seca prolongada, inflação, falta de empregos e congelamento de bilhões de dólares em ativos nos bancos do Ocidente — a sanção destinada a pressionar o Talibã se tornou mais um peso para a sobrevivência das pessoas. Acabada a guerra, os afegãos mergulham em um novo capítulo de dificuldades e turbulência.
Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803