Não é por acaso que Borgen (Castelo, o nome que os dinamarqueses dão ao prédio do Parlamento), série de sucesso da Netflix, trata de uma mulher jovem, simpática, sensata e pragmática que se torna primeira-ministra meio inesperadamente e vai se impondo e ganhando popularidade ao longo de sua trajetória. Sempre com ouvidos atentos para detectar as trepidações que movem a sociedade, a plataforma de streaming reproduz na fictícia Birgitte Nyborg um tipo de governante que vem sobressaindo nos últimos tempos e que, no ar rarefeito da provação pandêmica, deu amplas provas de sua capacidade. A estrela mais brilhante da constelação feminina que brilha na política mundial é a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, 40 anos, que acaba de ser reconfirmada no cargo após seu partido, o Trabalhista, obter maioria absoluta nas eleições parlamentares — é a primeira vez que isso acontece desde que o sistema foi instituído.
Ao lado de Jacinda, no arco das mulheres que se saem bem na condução de seu país, está um punhado de chefes do Executivo na Europa, principalmente — discípulas da veterana Angela Merkel, 66 anos, a mãe de todas as mulheres nascidas para governar neste século XXI, e que está prestes a se aposentar. Elevada à chefia de sua agremiação política há três anos por absoluta falta de um nome melhor, Ardern já havia conquistado o mundo com atitude ao mesmo tempo acolhedora e firme em duas tragédias em seu país: a matança promovida por um extremista de direita em duas mesquitas e a erupção de um vulcão em uma ilha turística. Dentro da Nova Zelândia, porém, a jacindamania andava arrefecendo, esfriada pela persistência de problemas como falta de moradias e de perspectivas para crianças mais pobres. Sua resposta à pandemia virou o jogo. Fiel ao lema “Com firmeza e com antecedência”, ela manteve em 25 o número de mortos em suas ilhas e vem conseguindo debelar ameaças de novo surto. Resultado: ganhou 64 cadeiras das 120 do Parlamento. “Vamos governar da mesma forma que conduzimos a campanha — positivamente”, anunciou, no discurso de vitória, a governante mais jovem do país, a primeira a ter um bebê no exercício do cargo e a primeira a morar com o pai de sua filha sem serem casados. “Jacinda nos faz lembrar o que é governar em uma situação de crise”, elogia a analista política Emily Beausoleil, da Universidade Victoria de Wellington.
Ardern é frequentadora assídua de redes sociais, que usa para se comunicar com a população de modo coloquial — um traço em comum com suas colegas desse reduto progressista que se contrapõe à onda conservadora do planeta. Na Dinamarca, Mette Frederiksen, 42 anos, recorreu às redes não só para explicar sua resposta rigorosa à pandemia — o que lhe rendeu 85% de aprovação popular —, como para comunicar os três adiamentos de seu casamento (“para cuidar dos interesses da Dinamarca”) e depois, enfim, para exibir foto de sua união de véu e grinalda com o diretor de cinema Bo Tengberg, seu companheiro há seis anos. Na Finlândia, Sanna Marin, empossada pouco antes de o mundo vir abaixo, também conta com altíssima aprovação à sua reação ao novo coronavírus, que incluiu o uso intensivo das plataformas digitais para esclarecer dúvidas e passar mensagens claras e firmes. Aos 34 anos, Marin, a mais jovem primeira-ministra do mundo, defensora do feminismo e das causas ecológicas, provocou alvoroço ao posar para uma revista com um decote mais profundo (que, aliás, não mostrava nada que não fosse apropriado), comprovando que aprovação popular não é antídoto contra o sexismo.
Outra expoente europeia das mulheres poderosas, a primeira-ministra da Islândia, Katrín Jakobsdóttir, de 44 anos, foi notícia recentemente por seguir, impávida, com uma entrevista por vídeo ao jornal The Washington Post — falava da reabertura do país ao turismo — em meio a um tremor de terra. Ao ouvir coisas caindo, ela levou um susto: “Meu Deus, é um terremoto”. Aí se recompôs — “A Islândia é assim mesmo” — e foi em frente, diante do olhar surpreso do apresentador. “As mulheres estão sendo aprovadas pela empatia e pelo calor humano, atributos que eram vistos como sinais de fraqueza. O modelo tradicional de governar está agonizando e elas ficaram livres para testar outras abordagens”, avalia Elisabeth Kelan, professora de liderança da Universidade de Essex, na Inglaterra. Com absoluto sucesso — e Borgen está aí para comprovar.
Publicado em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710