Após ser considerado culpado de todas as 34 acusações por falsificação de registros comerciais no processo sobre pagamentos secretos a uma ex-atriz pornô, em Nova York, o ex-presidente americano Donald Trump tornou-se o primeiro líder dos Estados Unidos, em exercício ou não, a ser condenado por um crime. Também fez história como o primeiro candidato de um dos dois principais partidos do país (o Republicano, no caso) a se tornar um criminoso condenado, colocando as eleições americanas, marcadas para 5 de novembro, em águas desconhecidas.
Ainda não sabemos exatamente qual será o destino de Trump. O juiz responsável pelo seu caso, Juan Merchan, marcou para 11 de julho a audiência que definirá a pena cabível para os crimes cometidos. Como ele foi considerado culpado de 34 acusações, cada uma das quais passível a quatro anos de prisão, na teoria, ele poderia ficar atrás das grades por até 136 anos. No entanto, ainda é incerto se ele realmente será preso. E, se for, isso não o impediria de continuar na corrida pela Casa Branca – não há Lei da Ficha Limpa americana que o barre das urnas. Isso significa que existe a possibilidade dos Estados Unidos elegerem um presidente não apenas condenado, mas na cadeia.
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Republicano favorito
Trump garantiu já no início das primárias deste ano o número de delegados suficiente para receber a nomeação de candidato do Partido Republicano às eleições, que será oficializada na Convenção Nacional Republicana no dia 15 de julho – poucos dias após a sua sentença.
As últimas pesquisas de opinião indicam um empate técnico entre ele e o atual presidente americano, Joe Biden. Segundo levantamento da YouGov, Trump tem 41% dos votos, contra 40% do democrata. Porém, o republicano mantém vantagem de até oito pontos percentuais em cinco estados decisivos para o pleito – as eleições americanas são definidas não pelo número bruto de votos, mas pelos “colégios eleitorais”, o que significa que para vencer é preciso conquistar o máximo de estados possível, ou aqueles com o maior número de delegados (que é proporcional à população do estado).
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Mas as mesmas pesquisas também fornecem provas de que a condenação pode mudar um pouco as coisas.
Um levantamento realizado pela Ipsos e pela emissora ABC News, em abril, concluiu que 16% dos apoiadores de Trump reconsiderariam o seu voto caso ele fosse considerado culpado de um crime. Um outro da Reuters/Ipsos indicou que 13% não votariam nele nesse cenário, 29% não tinham certeza, e pouco mais de metade manteriam seu apoio.
Esses dados, no entanto, são hipotéticos. E Trump aposta nisso. Como disse, momentos depois de deixar o tribunal após a condenação, “o verdadeiro veredito será dado em 5 de novembro, pelo povo”, em referência às eleições.
Caso “fraco”
Dos quatro processos nos quais Trump foi indiciado, o que lhe rendeu a condenação na quinta-feira 30 era considerado o mais “fraco”. Os outros três são os seguintes:
- O ex-presidente foi indiciado por reter documentos secretos da Casa Branca após deixar a Presidência e exibi-los a amigos em seu clube de campo, incluindo textos contendo informações ultrassecretas sobre o arsenal nuclear dos Estados Unidos.
- Numa ação movida pelo Departamento de Estado, ou seja, de âmbito federal, Trump é acusado de tentar anular sua derrota eleitoral de 2020, um esforço que culminou na invasão do Capitólio americano, em 6 de janeiro de 2021, por seus apoiadores, a fim de impedir o Congresso de certificar a vitória de Joe Biden.
- Uma ação movida pelo estado da Geórgia também está relacionada à tentativa de subversão do resultado das eleições.
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Ao contrário dessas investigações, o caso sobre falsificação de registros comerciais no âmbito de pagamentos secretos à ex-atriz pornô Stormy Daniels, pelo qual ele acaba de ser considerado culpado, é referente ao passado. As transferências de dinheiro e a maquiagem financeira para escondê-las ocorreram às vésperas da corrida presidencial de 2016 e no primeiro ano do mandato de Trump, 2017. Já o suposto affair com Daniels que ele teria tentado encobrir é ainda mais antigo: os dois teriam tido um encontro sexual em 2006, um ano depois dele se casar com a esposa, Melania.
Pela distância dos acontecimentos, analistas avaliam que os eleitores podem se sentir menos incomodados com a condenação – suas maiores preocupações estão centradas na economia, em especial em relação à inflação, na entrada de imigrantes ilegais pela fronteira dos Estados Unidos com o México e com a política americana em relação às guerras na Ucrânia e em Gaza.
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Mesmo uma ligeira queda no apoio a Trump, no entanto, pode ser suficiente numa corrida apertada, que a disputa presidencial deste ano promete ser. Se alguns milhares de eleitores trumpistas decidirem não ir às urnas (já que a votação é opcional) num estado-chave, como o Wisconsin ou a Pensilvânia, isso pode fazer toda a diferença.
Por outro lado, a cada indiciamento, o republicano subiu nas pesquisas de opinião – uma resposta de seus eleitores que acreditam que ele sofre “perseguição política” pelo aparato judicial do governo Biden. Já há indícios de apoiadores que planejam motins e rebeliões como protesto contra a condenação, uma movimentação que também pode significar um impulso para sua base eleitoral ir às urnas.
A força do trumpismo
Algumas vezes a morte do trumpismo foi decretada nos Estados Unidos. A primeira foi com a derrota do ex-presidente nas eleições de 2020, depois, com o violento ataque por sua horda de apoiadores contra o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Analistas conjecturaram que Trump já não seria um candidato republicano viável e que o movimento não poderia seguir sem seu líder. Em 2022, quando as midterms – eleições fincadas no meio do mandato presidencial – renderam escassos frutos aos políticos que abraçaram as diretrizes do Make America Great Again (MAGA), o diagnóstico foi o mesmo.
Mas não vingou. Tanto Trump quanto sua corrente ideológica continuam vivíssimos. Difícil de definir, o trumpismo é uma mistura de políticas isolacionistas, com cortes de impostos corporativos, culto à personalidade e retórica autoritária, marcado principalmente pelo nacionalismo e nativismo. “Sobretudo, é o que Trump disser que é”, disse a VEJA Robert Shapiro, professor de ciência política da Universidade de Columbia.
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Sua influência quase messiânica provém da capacidade de capitalizar o ressentimento de parte do eleitorado, especialmente a classe média baixa que não tem ensino superior, contra o poder estabelecido, do qual se sente excluído. “O ex-presidente mostrou ser um demagogo inteligente; ele explora o medo e o rancor dos que se sentem deixados para trás pelas elites urbanas”, disse a VEJA Michael Walzer, filósofo da Universidade Princeton.
Ainda não está claro se essa condenação significará o início do fim do trumpismo, especialmente se ele realmente for preso. Mas se os últimos oito anos servem de exemplo, pode ser apenas o mais recente de uma longa série de acontecimentos perturbadores que, em retrospectiva, foram apenas obstáculos no caminho de Trump para o poder.
O julgamento final sobre a importância da condenação de Trump chegará às mãos dos eleitores em novembro. Se o ex-presidente for derrotado, o veredito provavelmente será visto como uma das razões. Se ele vencer, pode ser um ponto de virada na história da política dos Estados Unidos.