Para quem gosta de cruzeiros ou simplesmente tem curiosidade histórica, duas empresas de turismo vêm anunciando, para os anos pós-pandemia, atrações distintas — uma móvel e outra estacionária — que prometem reviver a emoção da viagem inaugural do Titanic, um dos maiores transatlânticos de sua época, desta vez sem o trágico desfecho da noite de 14 de abril de 1912, quando ele colidiu com um iceberg, afundando e matando mais de 1 500 pessoas. Batizados respectivamente de Titanic II e de Inaufragável Titanic, os projetos já zarparam, pelo menos da prancheta. A chegada ao destino, no entanto, é um capítulo ainda a ser escrito.
A saga do retorno dos dois Titanics teve início após a efeméride de 100 anos da tragédia. Em 2013, em um pomposo evento em Nova York, o empresário australiano Clive Palmer, por meio de sua empresa Blue Star Line, lançou a ideia de trazer de volta a titânica embarcação, que ficaria pronta em 2016. O Titanic II teria as características do original, replicando quartos, salões e restaurantes com a decoração da belle époque. Por trás das amenidades, porém, haveria navegação por radar com GPS e, desta vez, diferentemente de 1912, botes salva-vidas para todos. Além disso, com sistema de propulsão moderno, as quatro emblemáticas chaminés das caldeiras de vapor seriam mantidas apenas para fins estéticos.
Devido às dificuldades técnicas e ao custo estimado de 500 milhões de dólares, a ser diluído entre pouco mais de 2 000 pessoas por viagem (hoje grandes cruzeiros têm capacidade três vezes maior), o Titanic II afundou no descrédito: não só não ficou pronto na data como não há registro de que esteja em construção. Palmer, um bilionário que fez fortuna no ramo da mineração, parece ter fixação por desastres — outro projeto seu é recriar o dirigível Hindenburg, que foi consumido pelas chamas em 1937. Por outro lado, ele não aparenta ser insano a ponto de queimar dinheiro. Seu nome figura na lista 2021 da Forbes como um dos homens mais ricos do mundo, com fortuna de 3,8 bilhões de dólares. Portanto, fundos para perseguir seu sonho ele teria, mas talvez o prejuízo do tamanho de um iceberg esteja forçando uma mudança de curso.
Mais próximo de fazer emergir o Titanic está o grupo de investimentos chinês Seven Star Energy, que pretende entregar em breve o parque temático Romandisea, cuja atração principal será o Inaufragável Titanic, navio similar ao da Blue Star, mas que, ao contrário daquele, ficará permanentemente estacionado em um canal às margens de uma represa na província de Sichuan, no sudoeste da China. O nome, que remete à arrogância da White Star, companhia marítima que fabricou o original, foi na verdade escolhido para diferenciar o navio-hotel chinês da embarcação australiana, bem como para reforçar que, uma vez parado, ele não terá como naufragar.
Apresentado em Hong Kong em 2014, o Inaufragável Titanic também tem sofrido sucessivos atrasos a ponto de gerar desconfiança, mas, neste caso, a construção ao menos está em andamento, como demonstram fotos tiradas do local. Desenhado por um produtor de Hollywood, o interior do navio-hotel será uma mistura do transatlântico visto no filme Titanic de 1997 com a verdadeira embarcação de 1912. Ele terá, por exemplo, o boudoir no qual Rose, interpretada por Kate Winslet, posa nua para Jack, personagem de Leonardo DiCaprio. A icônica escadaria que marcou a cena final do longa-metragem será o destaque da atração. Para aproveitar tudo isso, os interessados terão de desembolsar 500 dólares por noite para ficar na réplica de um quarto da segunda classe e três vezes mais por uma acomodação da primeira classe. Como se vê, mais de um século depois, certas distinções não mudaram.
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741