A senhora não tem medo de se aproximar dos borseggiatori ou pickpockets (batedores de carteira), como costuma gritar nas ruas, quando os identifica? Eu não tenho medo. Não faço um trabalho individual, mas com um grupo que já existe há 30 anos, o Cittadini Non Distratti (Cidadãos Não Distraídos). O grupo sempre zelou pela segurança das pessoas. Veneza é uma cidade que vive do turismo, com as ruas sempre cheias de viajantes que vêm de todos os lados do mundo, além dos próprios moradores da região. Somos em muitos. E temos o apoio da polícia também. É muito importante dizer que somos um grupo apartidário. Em comum, os integrantes têm o senso cívico, o amor por Veneza, e por isso lutam contra os furtos e a exploração infantil.
Se o grupo existe há tanto tempo, por que só agora ficou conhecido? Porque começamos a postar nas redes sociais. Primeiro foi o Facebook, depois o Instagram e então o TikTok.
Mas a senhora é quem mais aparece, tanto que ficou famosa. Verdade. Isso porque tenho mais disponibilidade de tempo do que as outras pessoas de vigiar as ruas e, também, de publicar nas redes sociais. Sei que fiquei famosa até porque tem gente que me para na rua para me agradecer. Mas exerço uma função de cidadã. Ontem mesmo, ajudei um casal octogenário. Eles iam ser furtados. Fiz o que eu faria para os meus pais. Depois que impedi a ação dos bandidos, gritando que havia batedor de carteira na rua, alguns italianos vieram me cumprimentar. Quando eu grito, as pessoas ficam atentas aos pertences e, em geral, os ladrões saem correndo, às vezes, escondem o rosto para não serem filmados pelo meu celular.
Como sabe quem são os pickpockets e borseggiatori? Eles estão na cidade há anos. Nós os conhecemos, sabemos bem quem são. Tanto que os chamamos de batedores de carteiras históricos. E, junto com eles, sempre aparecem novos ladrões. Inclusive, agora tem uma turma especializada em roubar passaportes.
Como a senhora se definiria? Sou uma operária italiana. Não falo mais porque não quero expor minha família nem minha vida particular. Depois do sucesso nas redes sociais, apareceram muitas pessoas insatisfeitas com a minha participação social. Tem muita gente brava e quero evitar que os meus familiares sofram retaliações. Acho que isso faz parte. Nossa luta segue, porque nascemos para combater o fenômeno dos borseggi fazendo ações de alerta, mas sem violência.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853