Não é um governo sério: em 2024, Macron se viu em meio a planos fracassados
Ao se recusar a “coabitar”, como se diz na França, com a esquerda, ele colocou-se nas mãos da direita para aprovar qualquer coisa na Assembleia

Ninguém entendeu quando Emmanuel Macron, em uma tentativa quase suicida de preservar seu legado, dissolveu a Assembleia Nacional e antecipou uma eleição que era sabidamente perdida — e que ele perdeu. Teria o presidente algum plano maquiavélico, alguma aliança escondida, alguma carta na manga? Nada disso. Da votação saiu vencedora a Nova Frente Popular, uma coalizão de esquerda que abomina o presidente (no que é plenamente correspondida). Em segundo ficou o centrista Renascimento, do próprio Macron, graças a uma relutante aliança de ocasião entre os dois rivais para deter o ímpeto do perigo maior, o Reagrupamento Nacional, partido de extrema direita de Marine Le Pen, que liderava as pesquisas e acabou em terceiro. Pelos trâmites normais, o cargo de primeiro-ministro iria para a NFP. Macron, depois de protelar a decisão por dois meses, nomeou o apaga-incêndios Michel Barnier e desagradou todo mundo — seu próprio partido o desautorizou ao dizer que apoiaria seu indicado, mas não lhe daria carta branca. Em novembro, a Assembleia rejeitou a proposta de Orçamento repleto de cortes de gastos que Barnier montou para 2025, apertando ainda mais a corda no pescoço da França, que amarga uma dívida pública equivalente a mais de 6% do PIB, quando o máximo permitido na União Europeia é 3%.
Não deu outra: uma moção de não confiança derrubou o gabinete e Macron, sem dar o braço a torcer, escolheu para primeiro-ministro — o quarto este ano — François Bayrou, um amigão seu e de pouca gente mais. Se vai durar, ninguém sabe. Ao se recusar a “coabitar”, como se diz na França, com a esquerda, Macron colocou-se nas mãos da direita para aprovar qualquer coisa na Assembleia. O RN avisou que estudará cada caso e votará conforme seus interesses. Le Pen pisa com extremo cuidado no terreno minado da política francesa, de olho na eleição presidencial de 2027. Sua ambição, impensável poucos anos atrás, se insere na onda de avanço da direita radical na UE, onde já comanda sete países: Itália, Holanda, Finlândia, Croácia, República Checa, Hungria e Eslováquia. Na Alemanha, que terá eleição antecipada em fevereiro, prevê-se votação expressiva no neonazista Alternativa para a Alemanha (AfD). Todo cuidado é pouco.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924