Como se não bastasse o emaranhado de quase duas dezenas de democratas lutando pela vaga para disputar a Casa Branca em 2020, mais um pré-candidato abriu as portas da esperança. E não se trata de um desconhecido dos cafundós da política. O novo aspirante é Michael Bloomberg, multibilionário, ex-prefeito de Nova York por doze anos, respeitado por suas realizações e generoso doador de causas meritórias. Ser presidente é sonho antigo — ele namorou a pré-candidatura nas duas últimas eleições. Desta vez, chegou a dizer que não iria, mas mudou de ideia. O vai não vai de Bloomberg tem raízes em um traço conhecido da sua personalidade: ele só quer entrar na rinha democrata para ganhar. Ao que tudo indica, avaliou que, no pé em que se encontra a campanha dos principais adversários, tem boa chance de ser ungido para o embate de ricaços contra o republicano Donald Trump.
A entrada de Bloomberg na disputa não teve anúncio formal. Ela foi depreendida do fato de ele ter preenchido, no limite do prazo, os documentos necessários para concorrer nas primárias do Estado do Alabama, em março. Três pré-candidatos estão neste momento embolados no topo das pesquisas. À frente permanece Joe Biden, com 32% dos votos, seguido por Bernie Sanders, com 20%, e Elizabeth Warren, com 19%. Sanders e Warren competem cabeça a cabeça pelo mesmo eleitorado: aquele que se cansou do ramerrão de sempre e está disposto a apoiar propostas radicais, como saúde e educação superior de graça, controle das grandes corporações e altos impostos sobre as grandes fortunas. Biden, político do sistema, é o moderado que conta atrair os votos dos democratas assustados com os ventos de mudança (a maioria, até agora). Se tudo continuasse assim, seria pouco provável que o ex-prefeito de Nova York arriscasse uma pré-candidatura. Mas Biden vem se enfraquecendo, tanto pelas gafes e lapsos de memória quanto pelo envolvimento no Ucraniagate: a pressão de Trump sobre o governo da Ucrânia que desencadeou o atual processo de impeachment foi justamente para tentar desencavar podres sobre o ex-vice e o filho dele, Hunter, muito bem pago membro do conselho de empresas ucranianas na época em que foram investigadas por corrupção. É no rebanho de Biden que Bloomberg, outro moderado da linha pragmática, se prepara para dar o bote.
Em idade, Bloomberg se encaixa perfeitamente no clube: tem 77 anos, menos que Sanders (78) e mais que Trump (73) e Warren (70). Em diversas ocasiões, deu voz e muitos bilhões a campanhas por mais controle de porte de armas e em defesa do meio ambiente, o que pode inflar suas chances junto aos eleitores de centro ainda indecisos. Outro diferencial é circular à vontade por Wall Street e ter acesso irrestrito ao mais alto patamar do meio empresarial. “Ele provavelmente vai usar o argumento de que é liberal nas áreas sociais e moderado na economia, como forma de se destacar”, diz o cientista político Brian Gaines, professor da Universidade de Illinois. O ex-prefeito começou a fazer fortuna no mercado financeiro. Aos 40 anos, fundou a Bloomberg LP, empresa de tecnologia e análise de dados que engloba a maior agência de notícias econômicas do mundo. Sua fortuna, acima de 50 bilhões de dólares, engole os 3,1 bilhões que Trump diz ter (mas não prova).
Natural de Boston, em Massachusetts, neto de imigrantes judeus russos e lituanos, Bloomberg não prima pela fidelidade partidária. Em 2001, filiou-se ao Partido Republicano para concorrer pela primeira vez à prefeitura de Nova York. Assumiu um ano depois, reelegeu-se para mais um mandato e achou que era pouco. Move daqui, move dali, conseguiu alterar a lei municipal, disputar de novo a eleição e ganhar, dessa vez como independente. Na campanha legislativa de 2018, empenhado em impedir que Trump obtivesse maioria nas duas casas, filiou-se ao Partido Democrata para ter condições de fazer gordas doações aos candidatos de sua preferência. “Bloomberg mostrou ser muito qualificado na prefeitura, apesar das circunstâncias turvas em que conseguiu aprovar o terceiro mandato”, diz o sociólogo Robert Y. Shapiro, da Universidade Columbia. Rompendo a tradição, ele planeja não participar das quatro primárias de fevereiro de 2020, em estados menos importantes. Prefere mergulhar direto na chamada “Super Terça-Feira”, em 3 de março, quando pelo menos catorze estados realizam prévias — justamente aqueles em que a propaganda vira uma guerra de foice e ter muito dinheiro faz toda a diferença. E isso, convenhamos, ele tem de sobra.
Publicado em VEJA de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661