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Massacre de Tiananmen é apagado na China, ainda avessa às liberdades

Repressão na Praça da Paz Celestial deixou entre 1.000 e 10.000 mortos; país tem hoje 176 milhões de câmaras de vigilância e políticas de controle

Por Da Redação
Atualizado em 30 jul 2020, 19h45 - Publicado em 4 jun 2019, 07h00
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  • Trinta anos depois da violenta repressão às manifestações estudantis pró-democracia em Pequim, o massacre na Praça da Paz Celestial ainda permanece um tabu na China. Desafiado, o regime não cedeu à rebelião contra a estrutura autoritária e corrupta. Mas equilibrou-se na relativa abertura econômica e em taxas elevadas de crescimento para manter-se como antes.

    Na noite de 3 para 4 junho de 1989, soldados sufocaram a revolta liderada por grupos de estudantes e operários que, ao longo de sete semanas, exigiram fim da corrupção e mais democracia. A China comunista jamais havia enfrentado tamanha ousadia. Milhares de pessoas protestavam na Tiananmen, ou Praça da Paz Celestial, em português, quando foram atropeladas por tanques e alvejadas por militares de seu próprio país.

    O número exato de vítimas da repressão ainda hoje é desconhecido, mas estima-se algo entre 1.000 e 10.000 mortos. O Partido Comunista da China (PCC) falou em “quase 300 mortos”, enquanto a Cruz Vermelha estimou em 2.700 mortes. Recentemente, a embaixada britânica em Pequim afirmou que a cifra teria sido muito maior, chegando a quase 10.000 pessoas mortas.

    “Todo mundo pensava que o Exército nunca abriria fogo. Era inimaginável. Estávamos em tempos de paz”, conta You Weijie, de 66 anos, que perdeu o marido, um trabalhador que não participou das manifestações, mas foi morto pela repressão.

    “As pessoas apoiavam as reivindicações dos estudantes contra a corrupção, a burocracia, a inflação. Havia uma imensa onda de simpatia em relação a eles. Os moradores levavam-lhes o que comer e beber”, lembra You.

    Atualmente, o governo impõe o silêncio obsequioso sobre o assunto. Não se fala do tema na imprensa, na internet, nos livros, nas apostilas escolares, nos filmes, salvo em raras ocasiões em que se descreve o massacre com um eufemismo: “a agitação política do ano 1989”.

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    Pode-se falar em casa, claro, com parentes e amigos. Mas a menção ao tema em celebração pública pode resultar em detenção. Apesar da abertura econômica incentivada pelo PCC a partir de 1979, que consagrou o país como a segunda economia do mundo, os chineses ainda vivem sob o cerco de um Estado forte e repressivo.

    Com um regime de partido único, a China restringe cada vez mais o acesso dos seus cidadãos à imprensa livre e à internet. Também tem impedido o crescimento de grupos religiosos e de associações da sociedade civil, por meio da implementação de um sistema de vigilância eletrônico.

    Segundo a organização sem fins lucrativos Freedom House, que mapeia o grau de respeito aos direitos políticos e civis, a China está entre os 25 países menos livres do mundo, ao lado de Arábia Saudita, Síria e Coreia do Norte.

    Nas semanas que antecedem o aniversário do massacre, a máquina de censura entra em ação para apagar qualquer referência à efeméride na internet, mesmo que não seja direta. O simples ato de compartilhar imagens nas redes sociais pode resultar em prisão.

    No domingo 2, o governo chinês defendeu a sangrenta repressão aos protestos de 1989, classificando-a como “política correta”. Em um fórum regional de segurança em Singapura, o Diálogo de Shangri-La, o general Wei Fenghe questionou por que o mundo sempre diz que a China “não administrou o incidente de forma correta”.

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    “Estes trinta anos demonstraram que o país viveu grandes mudanças”, afirmou Wei, antes de acrescentar que, graças à ação do governo, a “China goza de estabilidade e desenvolvimento”.

    Manifestações da Praça da Paz Celestial

    Diante da repressão imposta pelo Estado, as manifestações que tiveram seu ápice em junho de 1989 são consideradas o único momento em que a estrutura autoritária do PCC foi questionada, de fato, pela população. O estopim do movimento foi a morte do ex-líder do PCC Hu Yaobang. O político comandou o partido entre 1981 e 1987, quando defendeu um projeto de abertura econômica e de maior integração regional.

    Hu foi afastado do cargo por ser considerado “muito liberal” e morreu dois anos depois, de um ataque cardíaco. No dia seguinte ao seu falecimento, manifestantes organizaram orações coletivas e pequenos protestos pacíficos pedindo que Hu fosse sepultado com honras de Estado e que a legenda revisasse a visão oficial da figura do político.

    As manifestações foram reprimidas, e os organizadores do movimento, em sua maioria estudantes, tratados pela imprensa oficial como tumultuadores. No funeral de Hu, um grande grupo encontrou-se na Tiananmen e pediu uma audiência com o primeiro-ministro Li Peng, amplamente reconhecido como rival político do líder morto. O pedido não foi atendido, e os protestos cresceram rapidamente, com convocações em universidades.

    Os universitários rechaçaram a presença de associações oficiais estudantis controladas pelo Partido Comunista e estabeleceram suas próprias entidades, ignorando os avisos para dispersão das autoridades militares.

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    Logo, o movimento passou a atrair também trabalhadores urbanos e intelectuais, que protestavam contra a corrupção, o desemprego e a inflação que assolavam o país mesmo com a abertura econômica. Assim, o protesto virou um levante popular, e o acampamento montado na Praça da Paz Celestial ganhou mais relevância.

    Em 4 de maio, aproximadamente 100.000 pessoas marcharam em Pequim pedindo reformas em favor da liberdade de expressão e um diálogo formal entre as autoridades e os representantes das manifestações. Diante da negativa, centenas de estudantes iniciaram uma greve de fome.

    O movimento cresceu tanto que a Praça Tiananmen chegou a receber 1 milhão de pessoas em um só dia. Em 20 de maio, o governo decretou lei marcial e, na noite de 3 de junho, tanques entraram na cidade passando por cima de tudo e de todos. Na manhã seguinte, a praça foi totalmente cercada, e os confrontos, intensificados

    Imagens divulgadas pela imprensa internacional mostram soldados avançando, apontando suas armas para a multidão na frente de veículos em chamas. Capturam ainda o pânico dos manifestantes, que se esforçavam para carregar as vítimas a pé ou de bicicleta para o hospital.

    Os sobreviventes do massacre foram perseguidos e presos. Alguns dos líderes do movimento, estudantes oriundos de famílias influentes, conseguiram fugir do país ou receberam penas de prisão mais brandas.

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    O rebelde desconhecido

    A foto de um jovem manifestante parado em frente a uma coluna de tanques, para servir como escudo humano, tornou-se um dos maiores símbolos do movimento da Praça da Paz Celestial. O rebelde chegou a subir em um dos veículos militares como forma de protesto.

    O homem não foi baleado nem atropelado, mas foi capturado pelos militares chineses e levado a um local desconhecido. Até hoje não se sabe qual foi o destino do rapaz.

    Na China, no entanto, esta cena parece ter sido “apagada” do consciente coletivo. A emissora britânica BBC perguntou aos chineses se eles conheciam a imagem: 80% dos entrevistados responderam que não.

    Tecnologia substituiu tanques

    Trinta anos depois da repressão, os tanques da Praça da Paz Celestial deram lugar a um arsenal mais discreto, porém igualmente efetivo para o regime chinês: milhares de câmeras atentas ao menor indício de protesto social.

    Na imensa esplanada do coração de Pequim, as câmeras observam os turistas que admiram o gigantesco retrato de Mao Tsé-tung, o fundador da República Popular.

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    Essas câmeras penduradas nos postes de luz são o lado visível do arsenal tecnológico à disposição do PCC para impedir um movimento pró-democracia, como o de 1989. De norte a sul do país, foram criados postos de polícia nos últimos dez anos para prevenir crimes e qualquer “perturbação da ordem pública”.

    A obsessão do regime com a inteligência artificial e o reconhecimento facial deu impulso à sofisticação da rede de vigilância interna do país. A polícia tem permissão para bater na porta de qualquer suposto desordeiro, denunciam vários dissidentes.

    A China tinha cerca de 176 milhões de câmeras de vigilância em 2016 contra 50 milhões nos Estados Unidos, de acordo com a consultoria provedora global de informações IHS Markit. Em 2022, subirão para 2,7 bilhões, em um país de 1,4 bilhão de habitantes. Ou seja, duas câmeras por pessoa.

    Como se a parafernália de vigilância não bastasse, o governo de Xi Jinping completará a implantação do Sistema de Crédito Social (SCS) até 2020. Trata-se de uma espécie de ranking de confiança do governo em cada um dos cidadãos chineses.

    Multas de trânsito, desrespeito a ordens judiciais, fumar em locais proibidos, endividar-se, postar notícias falsas nas redes sociais – tudo isso reduzirá a pontuação do cidadão e determinará que emprego poderá ter, para onde poderá viajar e quais benefícios poderá receber. O bom comportamento – que inclui o não comparecimento a protestos – é recompensado.

    (Com AFP)

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