O anseio por uma virada na esgarçada política tradicional vem sacudindo as ruas mundo afora, ainda com resultados práticos modestos. Pois é na Escandinávia, naco da Europa que sempre caminha silenciosamente rumo ao topo dos rankings de bem-estar, que o clamor por renovação ganha faces cada vez mais jovens — e femininas. Há décadas que a região registra a ascensão das mulheres: elas já lideram a metade dos partidos da Suécia e da Dinamarca, onde também quem governa é uma primeira-ministra, assim como nas vizinhas Noruega e Islândia. O último frescor nessa trilha de mudança veio da Finlândia, que, no domingo 8, guindou ao posto máximo Sanna Marin, administradora de empresas criada por um casal de lésbicas e ativista nas redes. Aos 34 anos, até então chefe da pasta dos Transportes, Sanna cravou um recorde — nenhum homem ou mulher chegou à cadeira de primeiro-ministro tão cedo. Além dela, outros quatro rostos femininos estão à frente dos partidos da coalizão de centro-esquerda hoje no poder.
A presença de mulheres e jovens na política é sinal vital em uma democracia, já que reflete sua capacidade de absorver estratos diversos e se renovar. “O domínio do governo por uma elite rica e de idade corrói o regime democrático, enquanto a juventude lhe dá nova perspectiva”, diz a VEJA o filósofo Frank Martela, baseado em Helsinque. Na raiz de tudo está uma educação que figura entre as melhores do planeta, motor para uma sociedade que em seu conjunto funciona. Riqueza, instituições sólidas e população organizada são consequência. “Administro uma cidade com 10 000 habitantes e mais de 100 associações comunitárias”, exemplifica Cristoffer Masar, prefeito da pequena Kauniainen.
Quem não se sai bem na arena do poder é defenestrado, justamente como ocorreu com o antecessor de Sanna, Antti Rinne, do mesmo Partido Social Democrata. Veterano, Rinne se enrolou por causa de uma greve de carteiros, na qual foi acusado de interferir indevidamente, porque isso não era esperado de um primeiro-ministro. Ele negou ter se metido na contenda, mas a oposição não aceitou, o que lhe custou a cadeira. E Sanna assumiu dizendo que idade e gênero não são questões para ela. Em tempo: a greve terminou e as cartinhas de pedidos dirigidos a Papai Noel — que, como todo mundo sabe, mora na Lapônia, no território finlandês — vão chegar, com certeza.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665