Uma ex-secretária de 97 anos de um campo de concentração nazista foi considerado culpada de cumplicidade no assassinato de mais de 10.500 pessoas em um campo de concentração, e recebeu uma pena suspensa de dois anos nesta terça-feira, 20.
Irmgard Furchner, que está sendo julgada na cidade de Itzehoe, no norte da Alemanha, há mais de um ano, falou ao tribunal no início deste mês para dizer que sentia muito pelo que havia acontecido, mas não chegou a admitir sua culpa.
O início de seu julgamento foi adiado em setembro de 2021, quando ela ficou brevemente foragida. Por não ter comparecido ao tribunal, ela foi encontrada pela polícia horas depois nos arredores de Hamburgo, depois foi mantida sob custódia por cinco dias e recebeu uma tornozeleira eletrônica.
Irmgard trabalhou no campo de Stutthof entre 1943 e 1945 como secretária do comandante do campo, Paul Werner Hoppe, dos 18 aos 19 anos. Ela foi julgada em um tribunal de menores devido à sua idade na época em que os crimes foram cometidos. Ela é a primeira mulher civil na Alemanha a ser responsabilizada por crimes cometidos em um campo de concentração nazista.
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O juiz Dominik Gross disse que o julgamento seria “um dos últimos julgamentos criminais mundiais relacionados a crimes da era nazista” e tomou a medida incomum de permitir que os procedimentos fossem registrados para “fins históricos”.
Durante o julgamento, Irmgard conversou regularmente com a juiz por meio de seu advogado, mas falou pouco. Ela normalmente era levada ao tribunal em uma ambulância, ladeada por médicos. Durante todo o processo, usou óculos escuros e uma máscara cirúrgica, e estava em uma cadeira de rodas.
Seu advogado, Wolfgang Molkentin, disse que a cliente não negou os crimes ocorridos em Stutthof, mas não era culpada.
O julgamento, que durou 40 dias de sessões de cerca de duas horas de duração devido à idade avançada da acusada, ouviu 30 sobreviventes e parentes de prisioneiros de Stutthof dos Estados Unidos, França, Áustria e países bálticos. Também ouviu historiadores que deram detalhes sobre a vida cotidiana em Stutthof e o papel que Irmgard desempenhou na assistência ao processamento burocrático de prisioneiros, bem como informações sobre métodos de tortura e os procedimentos envolvidos no assassinato sistemático de milhares de judeus, dos quais disseram que ela tinha conhecimento.
Durante o julgamento, funcionários do tribunal, incluindo o juiz, visitaram o local onde ficava o campo de concentração, perto de Gdansk, no que era então território que havia sido anexado pela Alemanha. A mesa de trabalho de Irmgard no escritório que ela dividia com outras secretárias ficava ao lado de câmaras de gás, um crematório e uma forca.
Os juízes concluíram que a visão que ela tinha de sua janela, somadas às ordens que recebia para fazer relatórios em sua máquina de escrever e por telefone, eram suficientes para que Irmgard soubesse o que se passava no campo. Por isso, concluíram que ela participava ativamente dos crimes ocorridos.
Muitos prisioneiros morreram de fome ou congelados. Estima-se que de 63 mil a 65 mil pessoas, das quais cerca de 28 mil eram judias, foram assassinadas em Stutthof – a maioria em câmaras de gás, algumas com um tiro na nuca.
Um dos depoimentos mais memoráveis do processo de Irmgard foi o de Josef Salomonovic, de 84 anos, que sobreviveu a Stutthof e falou ao tribunal em dezembro de 2021. Seu pai, Erich, foi executado em Stutthof.
Salomonovic mostrou uma fotografia do pai e se dirigiu diretamente a Irmgard. Fora do tribunal, ele disse que queria confrontá-la com a imagem de seu pai. “Ela é indiretamente culpada, mesmo que estivesse apenas sentada no escritório”, disse.