Nesta terça-feira, 15, o Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia absolveu o ex-presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, das acusações de crimes contra a humanidade. Ele foi indiciado como responsável pela violência que se seguiu às eleições de 2010 no país africano, deixando 3.000 mortos e 500.000 desabrigados.
Gbagbo foi capturado em 2011 em um bunker no Palácio Presidencial, durante uma operação da Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com forças de segurança apoiadas pela França, que apoiavam seu rival, Alassane Ouattara, atual presidente do país.
Os juízes consideraram que Gbagbo e seu ministro da Juventude, Charles Blé Goudé, não tinham planos de manter o ex-presidente no poder e, portanto, “não havia necessidade da defesa apresentar mais argumentos, já que a promotoria não satisfez a necessidade de provas.”
A decisão representa uma grande derrota para a promotoria do TPI, para quem esse caso abriria precedentes, já que Gbagbo foi o primeiro chefe de Estado a ser julgado pelo Tribunal. Na quarta-feira, 16, eles anunciarão se pretendem recorrer da decisão e, se sim, quais condições querem impor para a libertação do político.
O TPI vem sendo acusado de parcialidade por não indiciar comandantes do grupo pró-Ouattara que também foram acusados de abusos. Os opositores de Ouattara, que foi reeleito em 2015, dizem que o presidente usa o órgão de Haia para silenciar críticos.
Apesar de investigações da justiça marfinense, não houve punição efetiva aos responsáveis pelos ataques pós-eleições. Depois de indiciar militares e autoridades da polícia de ambos os anos, no ano passado Ouattara anunciou uma controversa anistia de 800 pessoas envolvidas no crimes.
Presidente da Liga Marfinense de Direitos Humanos, Pierre Adjoumani Kouamé disse que “apesar da absolvição de Laurent Gbagbo e Charles Blé Goudé mostrar que os direitos de defesa são respeitados no TPI, é ao mesmo tempo uma notícia desastrosa para as vítimas, que são deixadas sem nenhum remédio possível”.
Drissa Traoré, da Federação Internacional de Direitos Humanos, alertou que a decisão da Corte pode causar mais violência: “Oito anos depois da crise trágica experienciada pelo nosso país, os mesmos atores arriscam alimentar o antagonismo do passado e a violência política que se seguiu”.
O Tribunal ainda não anunciou se continuará a investigar o massacre de Duékoué, em março de 2011, que deixou pelo menos 800 mortos.
Papel do ICC
Um professor universitário que se tornou ativista, Gbagbo passou boa parte dos anos 1980 exilado na França. Depois de retornar à Costa do Marfim, ele perdeu as eleições presidenciais de 1990 e passou seis meses na prisão em 1992, por seu papel em protestos estudantis.
Ele chegou ao poder em 2000, em uma votação que o próprio descreveu como “calamitosa”, mas depois se negou a realizar outra eleição pela próxima década. Em 2010, Gbagbo ganhou o primeiro turno presidencial com 38% dos votos, antes de perder para Ouattara no segundo.
Subordinado a ONU, o TPI foi criado há 17 anos e sempre foi muito criticado por perseguir países africanos. O promotor atual, Fatou Bensouda, de Gâmbia, tem trabalhado para mudar este cenário, abrindo investigações sobre o Afeganistão, Iraque, Palestina e Ucrânia.
Para James Goldston, diretor da Iniciativa de Justiça Sociedade Aberta, a decisão representa um desafio à promotoria, que tem a missão de conseguir sustentar acusações contra poderosos acusados de ferir direitos humanos: “Essa absolvição destaca o quão importante é que o próximo promotor seja uma pessoa íntegra e perspicaz que tenha habilidades avançadas em investigação criminal”.