O porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Matthew Miller, disse nesta terça-feira, 20, que o governo americano “obviamente discorda” da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em que comparou as ações militares de Israel contra os palestinos em Gaza ao Holocausto, que matou mais de 6 milhões de judeus durante o regime nazista de Adolf Hitler.
“Fomos bastante claros que não acreditamos que um genocídio ocorreu em Gaza. Queremos ver o conflito encerrado quando for possível. Queremos ver o aumento de ajuda humanitária para civis em Gaza. Mas não concordamos com esses comentários”, declarou Miller.
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Visita de Blinken
O pronunciamento do porta-voz do Departamento de Estado ocorreu no mesmo dia em que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, que é o chefe da diplomacia do governo de Joe Biden, chega ao Brasil.
O voo de Blinken pousa em Brasília no fim desta terça-feira, dando a largada a uma viagem que também o levará a Buenos Aires, na Argentina, para uma bilateral com o presidente Javier Milei. Antes disso, na quarta-feira 21, ele se reunirá na capital federal com Lula, e em seguida participará de uma reunião dos chanceleres do G20, entre quarta e quinta-feira, no Rio de Janeiro.
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Ambos os eventos prometem ser intensos. De acordo com o Departamento de Estado americano, durante a visita, Blinken vai “reafirmar nosso interesse mútuo [do Brasil e dos Estados Unidos] em garantir a paz internacional, reconhecer os direitos dos trabalhadores, promover a igualdade racial e acabar com o desflorestamento”, mas espera-se que aborde o atrito diplomático entre Brasília e Tel Aviv.
Esta será a primeira visita de Blinken como secretário de Estado ao país. As relações entre os Estados Unidos e o Brasil melhoraram após Jair Bolsonaro (PL) deixar o poder, dada a incompatibilidade entre ele e Biden – o ex-presidente brasileiro era mais próximo ideologicamente do republicano Donald Trump.
Discurso polêmico
A declaração de Lula sobre Gaza e o Holocausto ocorreu durante entrevistas a jornalistas no hotel onde estava hospedado em Adis Abeba, a capital da Etiópia, onde o presidente cumpria o último dia de compromissos oficiais na África após a cúpula da União Africana.
“Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse o presidente brasileiro.
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Briga diplomática
Em resposta, na segunda-feira 19, o governo israelense declarou o presidente Lula persona non grata e convocou o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, para uma reprimenda. O que costuma ser uma etapa do balé diplomático geralmente confinada às chancelarias virou espécie de espetáculo, já que o ministro das Relações Exteriores israelense, Israel Katz, escolheu o museu do Holocausto Yad Vashem como cenário incomum do encontro. Ele mostrou o nome de seus avós no livro das vítimas, a infindável compilação dos que morreram de tantas formas diferentes.
Depois disso, o governo Lula chamou Meyer de volta ao Brasil, como adiantou o Itamaraty a VEJA na segunda-feira. A desocupação do posto em Tel Aviv tem objetivo de fazer “consultas”, segundo um funcionário ligado à diplomacia brasileira disse à reportagem, mas sugere um agravamento do impasse diplomático entre Brasil e Israel, já recheado de tensão.
O Itamaraty também anunciou na segunda-feira que convocou o embaixador israelense em Brasília, Daniel Zonshine, para comparecer a uma reunião com o chanceler Mauro Vieira.
“Diante da gravidade das declarações desta manhã do governo de Israel, o ministro Mauro Vieira, que está no Rio de Janeiro para a reunião do G20, convocou o embaixador israelense Daniel Zonshine para que compareça hoje [segunda-feira 19] ao Palácio Itamaraty, no Rio. E chamou para consultas o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, que embarca para o Brasil amanhã [terça-feira, 20]“, disse um comunicado.
Nesta terça, Katz deu sinal de que a briga está longe do fim. Numa postagem no X, antigo Twitter, o chanceler israelense subiu o tom com Lula e exigiu uma retratação por sua fala, que qualificou como “promíscua, delirante”, além de “um cuspe no rosto dos judeus brasileiros”.