Em flagrante atrito diplomático com La Paz, a Espanha declarou como persona non grata um diplomata e dois adidos do governo boliviano em Madri e deu prazo para que se retirem do país. O gabinete do primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, argumentou agir em reciprocidade à decisão do governo interino da Bolívia de expulsar dois diplomatas espanhóis.
O episódio ocorre em meio a escalada da crise entre Madri e La Paz desde sábado 28, quando uma delegação espanhola tentou entrar na embaixada mexicana em La Paz. A presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, acusa os espanhóis de quererem “facilitar” a fuga de ex-integrantes do governo do ex-presidente Evo Morales que se protegiam na representação diplomática do México. Morales está exilado na Argentina.
Para Añez, tratou-se de uma ingerência em assuntos políticos internos de seu país. Em nota, o governo espanhol rechaçou esse argumento. “Qualquer afirmação nesse sentido constitui uma calúnia dirigida a danificar nossas relações bilaterais com teorias conspiratórias”.
Em reciprocidade “ao gesto hostil” do governo interino da Bolívia, a Espanha expulsou de seu país o encarregado de negócios da embaixada da Bolívia, Luis Quispe Condori, o adido militar, Marcelo Vargas Barral, e o adido de polícia, Orso Fernando Oblitas Siles.
Nesta segunda-feira, Añez havia expulsado a encarregada de negócios da Espanha, Cristina Borreguero, o cônsul em La Paz, Álvaro Fernández, e mais quatros funcionários da embaixada sob a acusação de tentarem entrar armados na embaixada mexicana na sexta-feira 27 para “facilitar” a fuga dos ex-integrantes do governo de Morales. Entre eles, o ex-ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, acusado de sedição e terrorismo. A presidente interina também expulsou a embaixadora mexicana, María Teresa Mercado.
Na sexta-feira 27, Borreguero e Fernández tentaram entrar na sede representação diplomática mexicana em La Paz a convite da embaixadora mexicana. Segundo o jornal espanhol El País, a comitiva fora escoltada por quatro membros do Grupo de Operações Especiais (GEO), braço da polícia espanhola. O grupo foi impedido de entrar no prédio por policiais bolivianos. Com a identificação diplomática dos carros à mostra, manifestantes começaram a bater e jogar pedras contra os veículos e a fotografar seus ocupantes. Nesse momento, os policiais espanhóis colocaram seus capuzes para não serem identificados.
Añez justificou a expulsão dos quatro membros do GEO pela “conduta hostil (desses funcionários) ao tentarem entrar de forma repentina e clandestina na residência do (embaixador) México na Bolívia, desafiando as autoridades policiais e o povo boliviano”. Em nota após o episódio, o governo espanhol tinha afirmado que abriria uma investigação para apurar o ocorrido.
O governo do México se mostrou cauteloso ao lidar com a expulsão de Mercado. O ministro das Relações Exteriores do país, Marcelo Ebrard disse somente que a embaixadora “será sempre um motivo de orgulho por sua firmeza e apego à melhor tradição de política externa de nosso país”.
A crise diplomática da Bolívia com a Espanha ocorre em meio a acusações do governo mexicano de que a polícia boliviana, sob o comando do governo interino, preparava uma operação para prender os ex-integrantes do governo de Morales. Ebrard denunciou que viaturas e policiais estavam cercando a representação diplomática em La Paz. No dia 26 de dezembro, o México levou o caso à Corte Internacional de Justiça (CIJ), exigindo “respeito à Convenção de Viena e ao Pacto de Bogotá”.
A crise na Bolívia teve início após a confirmação de que o ex-presidente tentaria sua reeleição. Depois de um pleito conturbado por denúncias de fraudes e de uma auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) recomendar a anulação do primeiro turno, Morales optou por renunciar à Presidência em 10 de novembro e denunciou que estava sofrendo um golpe arquitetado pela oposição e pelos militares.
Morales refugiou-se no México e denunciou a existência de um plano para assassiná-lo. Após um mês sob a proteção do governo mexicano, o ex-presidente passou três dias em Cuba para exames médicos e se exilou na Argentina, depois da posse do peronista Alberto Fernández. Morales espera conseguir organizar a campanha eleitoral de seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), para as eleições presidenciais no primeiro semestre de 2020. Se voltar ao seu país, entretanto, estará sujeito a prisão por “sedição e terrorismo”.