A ilha de Lampedusa, no sul da Itália, à margem da Sicília, banhada pelo turquesa do mar, é um exemplo das contradições do mundo — vive entre a beleza marinha e a tragédia dos migrantes que por ali passam e incessantemente morrem. Eles costumam vir de países como Eritreia, Gana, Paquistão e Sudão. Fogem de guerras civis e da fome. Aquele pedaço do planeta, conhecido como o “cemitério do Mediterrâneo”, foi palco, na semana passada, de um capítulo especialmente triste. Na sexta-feira 4, um barco de madeira que levava 57 pessoas naufragou — não se sabe, com precisão, quantos sobreviveram, apinhados como bichos nas rochas. Na quarta-feira 9, deu-se um outro horror, com a ruína de uma embarcação mambembe, com 45 homens, mulheres e crianças a bordo. Apenas quatro haviam sido encontrados com vida. Estima-se que, em 2023, 100 000 refugiados atracaram em Lampedusa, um aumento de 110% em relação ao ano passado. Os desastres servem de munição para o governo de extrema direita da primeira-ministra Giorgia Meloni. Ela aprovou, recentemente, uma lei que restringe os resgates, por meio de navios humanitários, a operações rápidas, de bate e volta — sem o direito de navegação em busca de outras vítimas, como costuma acontecer. Não há dúvida: as portas fechadas ao desespero de quem procura abrigo só fará crescer o terrível nó. E aqueles que nada têm seguirão a servir de lenha para o fogo da polarização política na Europa.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854