Eleições. Dois populistas encabeçam a disputa, pau a pau: um conservador, cuja bandeira é o combate à corrupção, e um progressista, campeão da classe baixa. Detalhe: o segundo fez campanha na cadeia. Poderíamos estar falando do Brasil em 2018, mas o país e os populistas são outros. Na Tunísia, o segundo turno das eleições presidenciais vai ocorrer neste domingo, 13, entre o magnata da mídia Nabil Karoui e o advogado soturno Kais Saied, dois outsiders que desbancaram o partido tradicional islâmico Ennahdha.
Até quarta-feira 9, apenas quatro dias antes do dia decisivo, Karoui estava encarcerado por lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. Ele foi liberado sem garantia de por quanto tempo. Os dois candidatos foram obrigados a adiantar a corrida eleitoral em razão da morte do ex-presidente Beji Caid Essebsi em julho, e há pressa, porque o interino só pode esquentar a cadeira até o fim de outubro. Mesmo assim, o mogul não ficou para trás na corrida: ganhou 15% dos votos no primeiro turno, apenas três pontos atrás de Saied. Detido desde o dia 23 de agosto, Karoui conduziu uma campanha por procuração através de sua esposa, Salwa Smaoui, e da televisão.
Uma das figuras mais importantes da mídia da Tunísia, ele é dono do Nessma TV, um dos canais mais assistidos no país, que já alavancou o secular ex-presidente Essebsi em 2014. É uma ferramenta poderosa que rendeu ao candidato muita desconfiança, além do apelido de “Berlusconi tunisiano”, em referência ao ex-premiê da Itália dono da Mediaset, maior emissora do país. Karoui também fundou em 2016 a instituição de caridade Khalil Túnis, que, por sua vez, tem seu espaço publicitário no canal de TV.
“Por um lado, ele é apoiado pela população pobre de regiões onde o estado é ausente, que vê nele uma figura paterna. Por outro, também tem respaldo de uma elite econômica, que não havia votado nele no primeiro turno, mas agora vê no empresário um protetor de seus interesses econômicos”, diz Héla Yousfi, professora da Universidade Dauphine de Paris e vice-presidente do think tank Círculo de Economistas Árabes.
Há cinco anos, Nessma TV não tem licença oficial, mas as ordens do regulador de mídia da Tunísia foram ignoradas pela empresa sob alegação motivação política. Em 2016, mais sujeira foi remexida quando a ONG I-Watch denunciou Karoui por lavagem de dinheiro e fraude, crimes que teria cometido através de uma empresa estrangeira. Quando a acusação foi consumada em agosto deste ano, o mesmo discurso de antes: seus procuradores responsabilizam o judiciário por ordenar a detenção do magnata da mídia a pedido de rivais políticos para mantê-lo no poder.
Já que não há uma legislação específica que o impeça de concorrer de dentro da prisão, o candidato do partido Qald Tounes (Coração de Túnis) continua na corrida. Enquanto isso, a oposição aproveita para taxá-lo de populista corrupto e ambicioso.
Kais Saied, favorito para a eleição de domingo, concorre como Independente. Tentou apelar aos eleitores mais jovens, com uma proposta de refazer eleições caso os candidatos escolhidos não cumpram com suas promessas – parte de seu pacote anti-corrupção “moral e financeira”. Só que o advogado tem alguns posicionamentos anacrônicos, como apoio à pena de morte e rechaço à igualdade de gênero na partilha de heranças, além de acusar países estrangeiros de “disseminação da homossexualidade”.
O candidato também ganhou apelido, sendo chamado de “RoboCop” pelos jornais locais devido à sua voz monótona e sua fixação em questões da lei e da ordem. Embora atribua o termo “populista” ao rival, também se colocou como “homem do povo”, “gente como a gente”. Karoui e Saied podem ser muito diferentes, mas se basearam no mesmo sentimento “anti-sistema” do eleitorado, estimulado pela exasperação com o status quo.
A Tunísia sofre com inflação a 6,7% e índice de desemprego a 15% – em algumas cidades, como a própria capital Túnis, o desemprego ultrapassa os 30%. Oito anos desde que o presidente autocrata Zine El-Abidine Ben Ali foi deposto durante os protestos da Primavera Árabe, o sentimento generalizado é de que os políticos que o sucederam não conquistaram muitos avanços.
Esta será a segunda eleição presidencial livre após 22 anos de regime autoritário, e o país onde nasceu o movimento de derrubada de ditadores no mundo árabe agora é um dos únicos onde esforços para construir instituições democráticas resistem. O Egito expulsou seu ditador de longa data, apenas para ganhar um novo. Os manifestantes na Síria pegaram em armas e o país entrou em uma guerra civil devastadora. A monarquia sunita do Bahrein esmagou uma revolta da maioria xiita com a ajuda da Arábia Saudita. E a Líbia e o Iêmen foram destruídos pelo conflito desde que seus líderes foram retirados do poder e mortos.
Embora Nabil Karoui já tenha sido libertado, a situação bizarra ainda pode causar estardalhaço. “O país poderá ser bloqueado em nível institucional e social, pois diferentes facções da sociedade o veem como continuação do antigo regime, um símbolo do que a revolução rejeitou 8 anos atrás”, diz a professora Yousfi.
Se ele perder, provavelmente contestará os resultados no tribunal, alegando que lhe foi negada a mesma oportunidade de competir porque sua campanha foi limitada – por exemplo, não pôde participar de debates. “Todo o processo eleitoral pode ser considerado inválido por causa dessa situação”, declarou o chefe da Alta Autoridade Independente para Eleições, Nabil Baffoun.
Se ele vencer, ainda há diversos cenários possíveis. Caso seja detido novamente, não está claro se pode prestar juramento sem sair da cela da prisão para participar da cerimônia no parlamento. Por outro lado, se for posteriormente considerado culpado de lavagem de dinheiro e fraude, não está claro se a imunidade presidencial se aplicaria a crimes cometidos antes da eleição.
Segundo a constituição de 2014, a disputa pede por um tribunal constitucional, que ainda não pôde ser estabelecido, pois o parlamento está dividido demais para concordar com os juízes. Ainda por cima, se o presidente eleito não tomar posse dentro de 45 dias, os tunisianos devem votar novamente. Caso aumente a incerteza política e instabilidade social, a Tunísia pode tornar-se palco de uma nova convulsão.