Depois do slogan “Estados Unidos em primeiro lugar”, propalado por Donald Trump, vem aí o “Europa em primeiro lugar”. Esse é, em resumo, o tom do longo e enfático artigo publicado na página de opinião de jornais dos 28 países da União Europeia pelo presidente da França, Emmanuel Macron. Sob o título “Por uma renovação europeia”, o texto alinha uma série de propostas para “reinventar, política e culturalmente, o formato da nossa civilização em um mundo em transformação”. Mas seu ponto mais enfático é o ataque à falta de visão — “a rejeição sem alternativas” — da direita nacionalista, movimento que grassa no continente e ameaça fazer avanços nas eleições para o Parlamento Europeu, no fim de maio.
As ideias práticas elencadas por Macron não são novas, muito menos unânimes. Para “defender nossa liberdade”, ele sugere que se proíba a incitação ao ódio e à violência na internet e que se resguardem as eleições de ataques cibernéticos. Para “proteger nosso continente”, quer que todos os países se comprometam a seguir as mesmas regras “rígidas” de controle de fronteiras e de assentamento de imigrantes (a bigorna em que martelam os ultranacionalistas). Por fim, para “recuperar o espírito de progresso”, prega, entre outras coisas, o cumprimento das metas europeias para o meio ambiente. Muito francesamente, quase todas as metas se encontram atreladas à criação de alguma comissão.
Mas é nos ataques à direita que os analistas enxergam o propósito imediato do manifesto de Macron: ele está de olho mesmo é nas eleições, em que seu partido, o centrista A República em Marcha, tem maioria precária nas pesquisas, seguido de perto pela Reunião Nacional, da direitista Marine Le Pen. De quebra, se tudo der certo, ele tentará ocupar o lugar que foi, até recentemente, da chanceler alemã Angela Merkel. No comando da maior economia europeia (e a quarta do mundo), Merkel colocou-se na situação em que, para onde a Alemanha ia, a UE ia atrás. Mas, enfraquecida também pela ascensão do Alternativa para a Alemanha (AfD), de origem neonazista e a terceira força política do país, ela anunciou que não será candidata em 2021.
Macron, por sua vez, está saindo lentamente do sufoco produzido pelos virulentos protestos dos coletes-amarelos, graças a uma ocupadíssima agenda de reuniões com lideranças regionais. Na Europa de Itália, Áustria, Polônia, Hungria e República Checa plantadas na direita (a Estônia entrou para o clube no domingo 3), e com o Reino Unido imerso no enrosco da saída da UE, o presidente da França vê sua chance de crescer. O Brexit, bandeira da extrema direita inglesa, foi usado no artigo de Macron como símbolo dos perigos que rondam a Europa. De um lado, ele retrata o fracasso da elite política em perceber e reagir aos anseios da população; de outro, expõe “as mentiras e a irresponsabilidade” que podem destruir um país. “Quem contou aos britânicos a verdade sobre seu futuro pós-Brexit?”, pergunta. O raciocínio faz sentido, mas deve ter rendido muita cara feia no Reino Unido, onde ninguém está preparado para engolir sapos (como os franceses são chamados lá) dando lição de moral.
Publicado em VEJA de 13 de março de 2019, edição nº 2625
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