Com base em histórias contadas na sua mais recente obra, Nature Warriors – The History of the Fight Against Environmental Crime in Brazil, lançada em inglês pela Editora MapLab, o colunista de VEJA Jorge Pontes, delegado da Polícia Federal pioneiro no combate aos crimes ambientais no país, está partindo para o Kilimanjaro, na Tanzânia, onde pretende, com um grupo formado por cientistas e policiais federais, produzir um documentário sobre o aquecimento global e a interconectividade dos eventos naturais, das ações e das omissões humanas, em relação ao equilíbrio do nosso planeta.
“Queremos fazer um documentário com as nossas reflexões, vendo in loco o derretimento da geleira. Nós estamos na última geração que vai testemunhar as neves do Kilimanjaro, segundo estudos científicos que apontam para o fim dessa geleira em talvez vinte anos, tamanha é a velocidade de derretimento da calota que domina há milhares de anos a paisagem plana das savanas do leste da África”, explica Pontes. “É uma maneira também de mostrar àqueles que não acreditam, que acham que é fake news (o aquecimento global). É uma forma de a gente reforçar a luta contra o negacionismo ambiental”, acrescenta.
Por que o Kilimanjaro?
O Kilimanjaro foi escolhido por conta de uma passagem do livro (leia abaixo) e de seu caráter emblemático como ponto culminante do continente africano, de onde a humanidade partiu, a pé, para conquistar e povoar a Terra. Fora isso, ainda há o simbolismo das calotas de neves (não mais) eternas, que hoje é um dos grandes indicadores do processo de aquecimento, flagelo que nosso planeta vem atravessando, de forma cada vez mais perceptível.
Assim como a poeira do Deserto do Saara é levada por ventos até a Floresta Amazônica, onde desempenha um papel vital no ciclo da vida daquela cobertura vegetal, a ação — ou omissão — de policiais federais e servidores do Ibama, no enfrentamento aos crimes ambientais na Amazônia brasileira, pode impactar na sobrevida de geleiras como a do Monte Kilimanjaro, assim como das estações de esqui da Europa e dos EUA.
A interconectividade na natureza é algo muito mais forte — e ao mesmo tempo delicado — do que podemos imaginar. Essa grande tapeçaria, essa web de interconexões entre os seres vivos e os parâmetros ambientais, ocorre o tempo todo, e consiste na essência da própria existência da vida na Terra.
“Nós (os envolvidos na produção) somos personagens de um enfrentamento à criminalidade ambiental, principalmente da destruição da Amazônia”, diz Pontes. “A ideia é que as pessoas que vão se envolver sejam pessoas que de fato lutaram contra o crime ambiental, contra a destruição da floresta, para dar esse simbolismo à questão”, complementa o colunista.
O grupo de Pontes vai realizar a produção do documentário, que está previsto para ser lançado entre 2025 e 2026, dos dias 14 a 24 de julho, ao longo da subida de 5.845 metros até o teto da África.
Confira o trecho do livro que inspirou o documentário
Estive em Nairobi em 2006 com a comitiva da Ministra Marina Silva, onde acompanhei de perto a Conferência do Clima, no caso, a COP 12.
Saímos de São Paulo em voo da SAA, e fizemos conexão em Joanesburgo, na África do Sul, o que nos fez chegar ao Quênia vindos do sul.
Acordei quando o avião, sobrevoando a Tanzânia, se aproximava do espaço aéreo queniano. Olhei para baixo pela janela da aeronave e me surpreendi. A visão que tive era de sonho: estávamos passando exatamente sobre o cume do Kilimanjaro, e pude ver, por entre nuvens esparsas, a calota de gelo eterno, mas minguante, que cobre aquela montanha mítica.
O Monte Kilimanjaro, ponto culminante do continente, é um símbolo da Tanzânia e, mais ainda, da própria África. Hoje, o degelo galopante das suas “neves eternas” é um dos emblemas mais fortes da ameaça do aquecimento global, que era exatamente o tema da nossa reunião em Nairobi.
Me senti presenteado por aquela visão majestosa, que me pareceu uma bela mensagem, como se o nosso combate ao desmatamento na Amazônia pudesse ter alguma relação de causa e efeito com aquelas neves em franco derretimento.
Mas a verdade é que tinha!
Trecho do livro “Guerreiros da Natureza – A história do combate aos crimes ambientais na Polícia Federal”, Editora MapaLab, 2022