Deputados democratas abriram uma investigação sobre projetos de incentivo à transferência de tecnologia e construção de usinas nucleares na Arábia Saudita elaborados por assessores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Membros do Conselho de Segurança Nacional e outros altos funcionários da Casa Branca alertaram várias vezes os formuladores desses projetos que suas sugestões poderiam ser ilegais.
Relatório divulgado nesta terça-feira, 19, por um comitê da Câmara dos Deputados informa que colaboradores de Trump atuaram em favor dos negócios da companhia de energia IP3 Internationale com os sauditas, com a finalidade de apressá-los.
O incentivo aos projetos começou mesmo da posse de Trump. Há indícios de que o tema tenha continuado a ser discutido recentemente. Segundo o Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara, entre os envolvidos no caso está o ex-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Michael Flynn.
Especialistas ouvidos pelo estudo alertaram que a venda de tecnologia nuclear para a Arábia Saudita, mesmo para usos pacíficos, poderia levantar suspeitas e provocar uma corrida armamentista no Oriente Médio. Além disso, os negócios poderiam configurar conflito de interesses e até mesmo violar leis americanas.
Após a divulgação dos documentos, os democratas que presidem o comitê anunciaram a abertura de uma investigação mais profunda para analisar os impactos das ações.
“Mais investigações são necessárias para determinar se as ações que estão sendo executadas pela administração Trump são em prol do interesse de segurança nacional dos Estados Unidos ou, ao invés disso, servem aqueles que buscam ganhar financeiramente como resultado dessa potencial mudança na política externa dos EUA”, afirma o relatório.
Atualmente, o Paquistão é o único país muçulmano a contar com armamento nuclear. No restante do Oriente Médio, o desenvolvimento de armas atômicas pelo Irã foi suspenso pelo acordo de 2015 com seis países, do qual os Estados Unidos se retiraram. Israel jamais admitiu ser uma potência nuclear, fato que todas as agências internacionais garantem ser verdade. A possível produção de armas nucleares pelos sauditas – muçulmanos sunitas – mudaria completamente o atual equilíbrio da região e poderia reacender projetos em países que engavetaram seus programas nucleares.
Mister Flynn
Delações e documentos obtidos pelo comitê da Câmara dos Deputados mostraram que uma das principais empresas envolvidas nas negociações com a Arábia Saudita, a IP3 International, trabalhava muito perto de funcionários da Casa Branca para concretizar a transferência de tecnologia.
Flynn atuou para a IP3 durante a campanha eleitoral de Trump e, no período de transição, continuou a defender o projeto de venda de tecnologia para a construção de usinas nucleares mesmo depois de assumir seu cargo na Casa Branca. Depois que Flynn deixou o posto em fevereiro de 2017, outras autoridades do Conselho de Segurança Nacional continuaram a incentivar esse plano de negócios, apesar de terem recebido alertas do conselho de ética do órgão e de advogados de que a atuação poderia ser ilegal e configurar conflito de interesses.
Segundo o relatório divulgado pela Câmara, em uma reunião em março de 2017, um assessor do Conselho tentou reviver o plano da IP3 “para que Jared Kushner pudesse apresentá-lo ao presidente para aprovação”. Kushner é genro de Donald Trump e conselheiro sênior da Casa Branca. Na semana passada, Trump se reuniu com executivos de diversas empresas de energia durante um evento organizado pela IP3 para discutir novos mercados no Oriente Médio.
O relatório não aponta que a IP3 tenha feito algo de ilegal. Mas há indícios de que a empresa tenha usado seus contatos com funcionários do governo Trump para favorecer seus próprios interesses comerciais.
Flynn foi assessor de Trump na campanha presidencial de 2016 e também está envolvido na investigação sobre a interferência russa nas eleições. Ele se declarou culpado em 2017 de ter mentido ao FBI sobre suas conversas com o embaixador russo nos Estados Unidos, Sergei Kislyak.
Khashoggi e houtis
O relatório foi divulgado em um cenário conturbado para os sauditas. Os Estados Unidos apoiam atualmente a Arábia Saudita e sua coalizão no conflito contra os rebeldes houthis, no Iêmen, apesar das muitas críticas internacionais. A guerra já deixou cerca de 10.000 civis mortos no Iêmen e desencadeou a pior tragédia humanitária da atualidade, segundo as Nações Unidas.
Donald Trump tem insistido que Riad é um aliado estratégico vital para os americanos no Oriente Médio, mesmo após o assassinato brutal do jornalista Jamal Khashoggi no consulado do país em Istambul, supostamente a mando do governo saudita. Ele prometeu vetar qualquer medida contrária. Ainda assim, o Senado americano aprovou, em dezembro, uma resolução para retirar o apoio americano à coalizão saudita.
Após a morte de Khashoggi, a Alemanha anunciou a suspensão da venda de armas e equipamentos militares à Arábia Saudita. O governo do Canadá e outros países europeus também ameaçaram tomar a mesma medida como represália.