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Cuba: Miguel Díaz-Canel, o chefe de Estado que não manda em nada

Depois de sessenta anos de comunismo, o Estado cubano enfrenta o desafio de transferir o poder político de um sobrenome a uma pessoa

Por Boris González Arenas
Atualizado em 6 nov 2018, 15h19 - Publicado em 6 nov 2018, 08h01
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  • O historiador cubano Boris González Arenas é membro da Mesa de Unidade de Ação Democrática (MUAD). De Havana, onde mora, ele escreveu o seguinte artigo para VEJA:

    Depois de sessenta anos de comunismo, o Estado Cubano enfrenta o desafio de transferir o poder político de um sobrenome para uma pessoa. O apelido é Castro. A pessoa é Miguel Díaz-Canel.

    Raúl Castro é o artífice dessa transferência. A vida o colocou frente à necessidade de retirar do poder seu caráter absoluto (sagrado para seu irmão Fidel) e o prover de um caráter mais terreno. Não é uma tarefa simples. Em sessenta anos de controle totalitário o sobrenome Castro buscou alianças muito diversas. Essas pessoas agora temem perder o poder que ganharam com a transformação de sobrenome em homem.

    Fidel Castro acumulou o controle do poder político controlando o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Para fazer isso de forma absoluta, ele os esvaziou de suas essências e levou o controle real do país para grupos armados e para o Partido Comunista de Cuba. São esses os poderes reais em Cuba, os quais não foram transferidos por Raúl Castro a Miguel Díaz-Canel, eleito em 19 de abril de 2018.

    Apesar disso, esta transferência representa uma mudança e, se o poder de Miguel Díaz-Canel é pouco hoje, todos sabem que esta condição pode mudar num futuro próximo. A média de idade dos donos do verdadeiro poder na ilha hoje ronda os 90 anos de idade. A situação, embora possa ser sustentada em um país arruinado e governado pelo medo, pode mudar diante de uma biologia forte e obstinada.

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    A nova Constituição é a melhor expressão da vontade de Raúl Castro de limitar o poder excessivo de um indivíduo no comando do país. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai receber o verdadeiro poder em suas mãos. Não apenas o futuro de milhões de cubanos (o que pouco importa a Raúl) dependerá do que será feito desse poder, como também o futuro de parentes próximos, com cargos em empresas, nas forças armadas ou em países estrangeiros com fortunas de origens duvidosas.

    Se na Constituição vigente o chefe de Estado é também o Presidente do Conselho de Estado — um órgão que concentra os poderes Executivo e Legislativo e ao qual o Judiciário é subordinado —, o projeto de Raúl Castro cria a figura do Presidente e retira dele a faculdade de chefe de Estado e o controle do poder Legislativo, assim como do Governo, que passará a ser desempenhado por um primeiro-ministro.

    Raúl Castro disse que é sua intenção que Miguel Díaz-Canel o substitua no comando do Partido Comunista, que em ambas as Constituições aparece como a “força superior dirigente da sociedade e do Estado”, mas por enquanto nada foi comprovado.

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    O exercício do poder por parte de Miguel Díaz-Canel já expressa sua fragilidade. Em 2 de junho de 2018, o “chefe de Estado” anunciou a criação de uma Comissão Constituinte formada integralmente por membros do Partido Comunista. Díaz-Canel propôs Raúl Castro para estar à frente dessa Comissão.

    Em sua projeção internacional, Díaz-Canel também não demonstrou maior independência. Em seu discurso durante o 73º período de sessões da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em setembro de 2018, preferiu ler alguns papéis com evocações a Fidel e a Raúl, assim como recordou suas façanhas. Foram assuntos que Díaz-Canel considerou mais importantes que os interesses do nosso país e a abordagem geral da política.

    O tratamento dado pela imprensa oficial a suas visitas nacionais e a sua participação em eventos estrangeiros expressa igualmente a vontade de amarrar o voo de Miguel Díaz-Canel. Sob suas intervenções, as reportagens jornalísticas priorizam palavras que consideram a memória de Fidel Castro e que manifestam sua fidelidade a Raúl. 

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    A população já sacou essa falta de autonomia de seu “chefe de Estado”. Por isso, o agraciou com diferentes denominações: “El visitante”, porque em todas as notícias na televisão aparece visitando as mesmas escolas, fábricas e hotéis para turistas; “El derretido”, porque aparece sempre suando. Por último, o que o acompanha desde sua ascensão: “Canelo”. Derivado de seu sobrenome Canel, é um nome comum para cães em Cuba. Uma das características mais marcantes desses animais é a fidelidade — e Miguel Díaz-Canel prioriza, em todas as suas afirmações de estadistas, aqueles que o fazem aparecer como uma continuidade de quem lhe deu poder e não quer que nada mude.

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