O tribunal superior da Namíbia anulou, nesta sexta-feira, 21, uma lei que criminalizava o sexo gay. A corte considerou a norma inconstitucional, marcando uma vitória para os ativistas da nação, após uma série de reveses na batalha pelos direitos da comunidade LGBTQIA+ nos últimos anos.
A lei que proíbe “sodomia” e “crimes não naturais” foi herdada pela Namíbia quando o país conquistou a independência da África do Sul, em 1990. Embora a proibição não tenha sido aplicada com frequência, ativistas afirmam que ela contribuiu ao longo dos anos para a discriminação contra a comunidade LGBTQIA+, incluindo o uso de violência por parte da polícia contra membros do grupo.
Inconstitucional
A decisão, proferida por três juízes, afirmou que a legislação era inconstitucional e uma discriminação injusta, já que o sexo consensual entre um homem e uma mulher não era criminalizado.
“Que ameaça um homem gay representa para a sociedade, e quem deve ser protegido contra ele?” disse o parecer dos juízes. “Temos a firme convicção de que a aplicação de pontos de vista morais privados de uma parte de uma comunidade (mesmo que constituam a maioria dessa comunidade), que se baseiam em grande medida em nada mais do que preconceito, não pode ser qualificada como um propósito legítimo.”
Não ficou claro, por enquanto, se o governo da Namíbia vai recorrer da decisão.
Reação
A UNAids, a agência das Nações Unidos que defende ações globais contra o HIV e a Aids, alegou que a lei alimentou por anos a discriminação contra namibianos LGBTQIA+ em hospitais e centros de saúde. Segundo a avaliação da organização, a decisão pode encorajar mais pessoas a buscarem testes e tratamento para HIV.
“Ao descriminalizar as relações entre pessoas do mesmo sexo, a Namíbia cria um ambiente mais seguro para as comunidades LGBTQIA+”, disse Anne Githuku-Shongwe, diretora regional da UNAids para a África Oriental e Austral.
Retrocessos
Dos 64 países que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo, 31 estão na África, de acordo com a Human Dignity Trust, uma instituição de caridade do Reino Unido.
Em uma pesquisa envolvendo 34 países da África, realizada entre 2019 e 2021, a Namíbia foi classificada como o terceiro país mais tolerante do continente. Quando perguntados obre como se sentiriam se tivessem vizinhos homossexuais, 64% dos entrevistados afirmaram que gostariam ou não se importavam com isso.
No entanto, dois grandes processos judiciais geraram uma reação conservadora no país. Em março de 2023, o Supremo Tribunal anulou a decisão de uma corte de primeira instância para conceder cidadania aos filhos de um casal gay que nasceram por meio de barriga de aluguel no exterior.
Depois, em maio desse ano, o Supremo tomou a decisão progressista de reconhecer casamentos entre pessoas do mesmo sexo realizados no exterior — caso a cerimônia se desse entre um cidadão namibiano e seu cônjuge estrangeiro. Em resposta, o parlamento do país aprovou um projeto de lei que define o casamento como a união “entre pessoas do sexo oposto”, embora o texto ainda não tenha sido sancionado pelo presidente.
Grupos de ativistas afirmaram que, depois de ambos os incidentes, crimes de ódio aumentaram. Seis namibianos LGBTQIA+ foram mortos desde que o projeto de lei foi aprovado, de acordo com o grupo de campanha Equal Namibia.