Na declaração final da cúpula dos Brics – grupo formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul –, os países reafirmaram seu compromisso com o multilateralismo nas relações internacionais e a necessidade de uma reforma no Conselho de Segurança da ONU, mas deixaram de fora qualquer menção às crises na Venezuela e na Bolívia.
A Declaração de Brasília, divulgada ao final da cúpula realizada na capital federal nesta quinta-feira, 14, fala da cooperação dos Estados para “manter a paz e a segurança, promover o desenvolvimento sustentável e garantir a promoção e a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos”.
Pede ainda “uma reforma abrangente das Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança, com vistas a torná-lo mais representativo, eficaz e eficiente e aumentar a representação dos países em desenvolvimento, de modo que possa responder adequadamente aos desafios globais”. As mudanças no Conselho são uma antiga reivindicação do governo brasileiro.
Os países ainda enfatizaram a necessidade de um comércio internacional aberto, livre e inclusivo, além de uma reforma na Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Reiteramos a importância fundamental de um comércio internacional baseado em regras, transparente, não-discriminatório, aberto, livre e inclusivo”, afirmam, destacando que continuam comprometidos com a preservação e o fortalecimento do sistema comercial multilateral e com a OMC.
“É essencial que todos os membros da OMC evitem medidas unilaterais e protecionistas”, acrescenta o documento.
Venezuela
Não há nenhuma menção na declaração sobre a Venezuela. A crise no país vizinho ao Brasil já produziu um êxodo de 4 milhões de refugiados. O texto também não cita a atual conjuntura política da Bolívia, onde o presidente Evo Morales renunciou durante o final de semana e na terça-feira 12 se refugiou no México.
Os Brics, contudo, demonstraram preocupação com os conflitos no Iêmen, Síria, Líbia e Golfo Pérsico, pediram uma solução pacífica para a situação na Península Coreana e parabenizaram o Sudão pelo acordo para um governo de transição assinado em agosto que acabou com meses de protestos no país.
Antes do início da cúpula, o governo de Jair Bolsonaro havia divulgado sua intenção de pressionar os demais líderes do bloco a dar mais atenção à crise venezuelana. Aparentemente, o desejo brasileiro não foi atendido.
A Venezuela divide os Brics. O Brasil tem uma posição divergente dos demais membros. Enquanto Bolsonaro reconhece o opositor Juan Guaidó como presidente interino e faz oposição ao regime chavista, China, Rússia, Índia e África do Sul veem como legítima a eleição do presidente Nicolás Maduro.
A China é uma das principais fontes de receita do governo chavista e já teria investido cerca de 60 bilhões de dólares, desde os anos 2000, em empréstimos vinculados a contratos de compra petróleo, financiamentos e parcerias. Os chineses são os maiores importadores de petróleo do mundo e a Venezuela, embora tenha uma produção combalida, é um fornecedor do produto.
A Rússia também funciona como tábua de salvação do chavismo. Desde 2010, a Rosneft, estatal russa do petróleo, já colocou 9 bilhões de dólares na Venezuela. No último encontro com Maduro, Putin prometeu investir mais 16,6 bilhões de dólares até o fim do ano. Como o governo venezuelano é alvo de sanções americanas – que restringem o acesso do país ao sistema financeiro global – aviões carregados de dólares costumam fazer o trajeto Moscou-Caracas.
Segundo a Bloomberg, citando documentos da firma ImportGenius, entre maio de 2018 e abril de 2019, 315 milhões de dólares em notas de dólares e euros foram enviados em seis remessas da Rússia para a Venezuela.
Os projetos russos, porém, vão além do financiamento da burocracia venezuelana e afetam também um setor estratégico: o militar. O chavismo transformou-se em um dos melhores clientes do Kremlin, comprando desde caças Sukhoi até um sofisticado e caro sistema de defesa antiaérea.
Os outros dois países do Brics também têm interesses na Venezuela. A Índia é uma das nações que mais consomem petróleo no mundo e precisa manter uma fonte diversificada de importadores. Em março, o país tornou-se o maior comprador de petróleo venezuelano. Houve uma interrupção na compra, retomada em outubro. Os indianos pagam em dinheiro, diferentemente de China e Rússia, que abatem das dívidas.
No caso da África do Sul, a relação é ideológica. Durante a Guerra Fria, vários movimentos de resistência africana foram apoiados por regimes socialistas. Os ex-presidentes Nelson Mandela e Thabo Mbeki sempre foram gratos aos que defenderam a causa. Hugo Chávez soube expandir a ação, distribuindo petróleo na África em troca de apoio diplomático.
(Com Reuters. AFP e Estadão Conteúdo)