Os bolivianos vão às urnas neste domingo, 20, para decidir se o comandante do partido Movimento para o Socialismo (MAS), Evo Morales, continuará na Presidência do país até 2025. O presidente da etnia uru-aimará, um ex-líder cocaleiro, concorre ao seu quarto mandato como líder da nação com amplas chances de ser reeleito. Sua candidatura somente foi possível graças à “sensibilidade” do Tribunal Constitucional da Bolívia ante as pressões de políticos aliados a Morales, que passou por cima do referendo de 2016, que o proibia de entrar na disputa.
Morales conseguiu reorientar a economia da Bolívia para uma mudança estrutural, a ponto de o país tornar-se exemplo mencionado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O Produto Interno Bruto (PIB) cresce a taxas superiores a 4,0% ao ano desde pelo menos 2010. A dívida pública líquida equivale a 45,6% do PIB. A taxa de inflação, que chegou a 9,9%, em 2011 em um país com experiência de hiperinflação no passado, despencou para 4,5% no ano seguinte e fechará 2019 a 2,3%. O desemprego abarca 4,0% da população ativa desde 2016. Guardadas as diferenças, trata-se de um quadro de dar inveja ao Brasil e à Argentina, as maiores economias da América do Sul.
As pesquisas mais recentes apontam a vantagem de Morales nestas eleições, mas aquém das margens registradas em eleições anteriores, especialmente por causa de episódios nos quais exibiu um claro traço de autoritarismo.
Uma sondagem do instituto Ciesmori, na semana passada, mostrou o presidente com 36,2% e seu principal concorrente, o ex-presidente Carlos Mesa (2004-2005), do partido Comunidade Cidadã, com 26,9%. Se mantida essa diferença, o pleito seguirá para o segundo turno, em dezembro. A consultoria Ipsos Bolívia, porém, prevê uma decisão já neste domingo ao registrar Morales com 40% das intenções de votos, contra 22% de Mesa.
As regras eleitorais na Bolívia são parecidas com as da Argentina, onde haverá eleições presidenciais em 27 de outubro. Para levar a Presidência logo no primeiro turno, Morales teria que ganhar com 50% mais um dos votos ou obter 40%, mas com uma diferença de dez pontos percentuais para o segundo colocado.
Em um país com uma expressiva população indígena, as acusações de que Evo Morales fez concessões ao empresariado e diminuiu as políticas ambientais são constantes. Para uma parcela dos eleitores bolivianos, seu governo demorou a responder aos incêndios na floresta Amazônica, em setembro deste ano, o que contribuiu para a desidratação de sua imagem.
Em um primeiro momento, Morales havia negado a proporção real do incêndio, mas ao perceber o que se passava, mobilizou brigadistas, alugou um avião-tanque para jogar água na floresta e até se perdeu no meio da mata ao aderir à tarefa braçal de combater os incêndios ao lado dos bombeiros. De acordo com o governo boliviano, mais de 5 milhões de hectares da floresta foram destruídos pelo fogo, sete bombeiros morreram, e 10.000 famílias foram forçadas a deixar suas casas.
Mas os esforços do presidente não resultaram em aumento imediato de sua popularidade. Ao contrário: no começo de outubro, milhares foram às ruas em Santa Cruz protestar contra Evo e culpá-lo pelos incêndios.
Mesa se colocou como alternativa a Morales e conseguiu costurar o apoio tanto de políticos de esquerda e da direita que consideram a reeleição do presidente como um passaporte para a autocracia na Bolívia.
Morales foi beneficiado por uma decisão do Tribunal Constitucional, de 2017, que o habilitou a disputar a reeleição de modo indefinido, alegando que este é um direito humano. Um ano antes, ele havia sido derrotado na consulta popular o tema, mas conseguiu contornar a Constituição que ele próprio promulgara em 2009.
O pragmático
Morales anda na corda bamba do espectro político na América do Sul. Ele foi o único político a estar presente na posse do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro e, dez dias depois, a prestigiar o juramento de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, ao lado de Miguel Díaz-Canel, mandatário de Cuba.
Para o professor de Relações Internacionais Maurício Fronzaglia, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “pragmatismo” e “nacionalismo” são as palavras ideais para descrever as relações da Bolívia com o Brasil e Venezuela. “O que mais marca Morales é o nacionalismo. Políticos nacionalistas tendem a agradar os militares”, afirma Fronzaglia, referindo-se ao passado tanto de Bolsonaro e de Hugo Chávez (ex-presidente da Venezuela) no Exército.
Desde que assumiu a Presidência em 2006, Morales promoveu políticas nacionalistas, como a estatização da indústria de gás natural e petróleo, valendo-se de um forte discurso contra os Estados Unidos. Também expulsou os agentes do Departamento de Combate às Drogas (DEA, na sigla em inglês) e autorizou o cultivo de coca por comunidades indígenas para o “consumo tradicional”. Alinhado às políticas de Caracas, tornou-se uma espécie de escudeiro de Chávez, mas entrou em conflito com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva quando ordenou a invasão militar a refinarias da Petrobras na Bolívia.
Desde a morte de Chávez, em 2013, Morales gradativamente vem distanciando seu governo e sua própria imagem de Caracas. Embora a Bolívia ainda seja parte da Alternativa Latino-Americana para as Américas (Alba), a frente bolivariana da região, Morales preferiu a abstenção de seu país em votações na Organização dos Estados Americanos contra a Venezuela. No entanto, mantém-se longe do novo grupo de governos de direita, como o do Brasil, batizado de Prosul.
A facilidade de Morales em transitar por polos ideológicos diferentes está nas jazidas bolivianas de gás natural. Segundo dados do Ministério da Economia, 95% das exportações da Bolívia para o Brasil foram dessa commodity – cerca de 1.1 bilhão de dólares em 2018 . “Para ser pragmático tem de ouvir a voz da razão e deixar a ideologia de lado”, afirma Fronzaglia.
Carlos Mesa, entretanto, se mostra contrário à proximidade da Bolívia com o governo venezuelano e, eventualmente, poderia ingressar no Prosul. Uma de suas promessas de campanha é integrar o país ao Grupo de Lima, que pressiona pela renúncia de Maduro, e respaldar Juan Guaidó, o autoproclamado presidente interino da Venezuela.