Militares da Venezuela estão desertando para o Brasil e a Colômbia em número cada vez maior por discordarem das ordens de superiores para reprimirem protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro. Seis deles confirmaram essa tendência.
Uma tenente e cinco sargentos da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), a principal força de repressão do governo de Maduro, disseram que a maioria está indo para a Colômbia, por ser a fronteira mais acessível. Eles mesmos e outros preferiram partir para o Brasil.
As autoridades de imigração colombianas disseram que cerca de 1.400 militares da Venezuela desertaram para a Colômbia neste ano. O Exército brasileiro informou que mais de sessenta membros das Forças Armadas venezuelanas emigraram para o Brasil desde que Maduro fechou a fronteira, em 23 de fevereiro, para frustrar um esforço da oposição para levar ajuda humanitária ao país.
“A maioria dos militares que estão partindo é da Guarda Nacional. Eles continuarão vindo. Mais deles querem partir”, disse uma tenente dessa força no início deste mês. Ela tinha acabado de cruzar a fronteira para o Brasil a pé, chegando à cidade fronteiriça de Pacaraima depois de caminhar durante horas por trilhas de indígenas.
Autoridades dos dois países disseram que o ritmo das deserções aumentou nos últimos meses, quando os tumultos políticos e econômicos na Venezuela se agravaram.
Os desertores, que pediram para ter seu nome omitido por causa do temor de represálias contra suas famílias, se queixaram de que comandantes venezuelanos de alto escalão vivem bem graças aos salários altos e às comissões recebidas de atividades de contrabando e de outros esquemas do mercado negro. Os oficiais de baixa patente, ao contrário, enfrentam os conflitos nas ruas da nação recebendo pouco.
“Eles (os oficiais de alta patente) já levaram suas famílias para morarem fora. Eles vivem bem, comem bem, têm bons salários e lucram com a corrupção”, disse a tenente.
O Ministério da Informação do governo da Venezuela, que está encarregado de atender a imprensa, não respondeu a pedidos de comentário para esta reportagem.
Em fevereiro, o embaixador de Maduro na Organização das Nações Unidas (ONU), Samuel Moncada, disse em uma reunião do Conselho de Segurança que a quantidade de deserções de militares tem sido exagerada. À época, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, William Castillo, disse que só 109 dos 280 mil membros das Forças Armadas haviam desertado durante o governo Maduro, iniciado em 2013.
Um sargento venezuelano, que vestiu o uniforme da Guarda Nacional com orgulho para dar uma entrevista em um quarto de hotel de Pacaraima, disse que não conseguia sustentar os dois filhos pequenos com um salário equivalente a cerca de 10 dólares por mês.
“Arriscávamos nossas vidas demais pelo pouco que recebíamos”, afirmou. “Parti por causa disso e das ordens ruins que os oficiais de comando estavam nos dando”.
Soldos em dólares
O líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, apoiado por mais de cinquenta países, está tentando depor Maduro com a justificativa de que sua reeleição, em 2018, foi ilegítima. Guaidó se autoproclamou presidente interino da Venezuela em janeiro passado, logo depois da posse de Maduro em seu terceiro mandato.
O entrave no projeto de Guaidó está na lealdade dos comandantes das Forças Armadas a Maduro, apesar dos apelos internacionais e da própria oposição venezuelana. Para os desertores da Guarda Nacional, esses comandantes continuam a receber seus soldos em dólares, o que preserva o poder de compra de suas famílias, e têm muito a perder se abandonarem Maduro.
Maduro colocou chefes militares em postos de comando das estatais venezuelanas para evitar que diretorias compostas de civis se voltassem contra ele, segundo um tenente. “Ele sabe que, se retirá-los desses postos, os militares lhe darão as costas e podem derrubá-lo com um golpe”, disse.
Em seus discursos, públicos, Maduro qualifica Guaidó como um fantoche dos Estados Unidos e atribui os problemas econômicos do país às sanções americanas e a conspirações da oposição.
Coração de pedra
A rebelião nos escalões intermediários da Guarda Nacional foi contida por meio da intimidação e de ameaças de retaliação contra familiares dos oficiais, segundo os desertores. Eles disseram que os telefones de efetivos militares suspeitos de se oporem a Maduro foram grampeados para que seu comportamento seja observado.
Como as deserções estão em alta, e o apoio a Maduro, em baixa, o governo vem usando milícias de civis armados, conhecidos como “coletivos”, para aterrorizar os oponentes de Maduro, relataram os entrevistados. Grupos de direitos humanos da Venezuela alertaram para os episódios crescentes de violência perpetrados pelos coletivos.
O governo também soltou presidiários e os vestiu com uniformes da Guarda Nacional, para desgosto de soldados com anos de serviço militar, disseram os seis desertores. Não está claro se os ex-presos ou militantes são pagos pelo governo.
A escassez de alimento, água e remédios, somada a apagões prolongados, aumentou a sensação de anarquia no país, opinaram os desertores. O sargento disse temer um derramamento de sangue causado pelos “coletivos” que atuam a serviço de Maduro se as Forças Armadas resistirem às ordens governamentais para reprimir os protestos.
“Não haverá soldados com coração de pedra suficientes para disparar nas pessoas”, disse. “Nós, militares, sabemos que entre as multidões nas ruas há parentes nossos protestando por liberdade e um futuro melhor para a Venezuela.”
(Com Reuters)