Por 26 anos, Alexander Lukashenko governou praticamente incontestado a Bielorrússia com as facilidades que uma ditadura travestida de democracia proporcionam – supressão da oposição, jornalismo só com notícias boas e sem nenhuma crítica, além do populismo. No entanto, as eleições de 2020 chegaram e uma candidata opositora conseguiu, apesar da derrota nas urnas, mobilizar uma sociedade cansada do autocrata.
Enquanto discursava em uma fábrica de tratores nesta segunda-feira, 17, Lukashenko foi recebido sob gritos de “mentiroso” e pedidos de renúncia. Pela primeira vez, o presidente viu sua base eleitoral se voltar contra ele. Funcionários que vestiam as cores brancas e vermelhas (símbolo das manifestações) e trabalhadores ao redor do país entraram em greve contra o governo pedindo novas eleições. Até a fachada da sede da televisão pública foi tomada por manifestantes.
“Vocês não viverão para ver o dia em que farei qualquer coisa sob pressão”, disse Lukashenko, no poder desde 1994, aos trabalhadores que gritavam palavras de ordem.
De seu auto-exílio na Lituânia, citando temores pela segurança de seus filhos, a candidata opositora nas eleições presidenciais, Svetlana Tikhanovskaya, disse estar pronta para liderar o país. Lukashenko, porém, é irredutível.
Apesar de disposto a compartilhar o poder com outras lideranças políticas, para o presidente, novas eleições não vão ocorrer “até que me matem”. Segundo a agência estatal de notícias Belta, Lukashenko anunciou que poderia entregar o poder após um referendo sobre possíveis mudanças na Constituição. Segundo ele, as mudanças já estão em andamento, mas não aconteceram sob pressão.
Desde a noite da eleição, no dia 9 de agosto, a ex-república soviética se tornou um constante palco de manifestações contra o resultado do pleito. Logo após a ida às urnas, o país de 9 milhões de habitantes viu a maior manifestação da oposição em sua história, com milhares de pessoas nas ruas da capital, Minsk, pedindo a renúncia do líder.
Lukashenko, por sua vez, cita um plano apoiado por potências estrangeiras para desestabilizar a Bielorrússia. Ele afirma que os manifestantes são criminosos e desempregados.
Just look at the size of this crowd in central Minsk.
This looks like the real turning for #Belarus after 26 years of Lukashenko’s rule. pic.twitter.com/tdJsKN1GiI
— Matthew Luxmoore (@mjluxmoore) August 16, 2020
O protesto do último domingo, 16, ocorreu pacificamente, em contraste com os anteriores que foram marcados por repressão, violência, ao menos 7.000 prisões, e uma morte. Alyaksandr Taraykouski foi morto no dia 10 de agosto, data seguinte às eleições. A versão da polícia diz que um explosivo detonou nas mãos do manifestante enquanto ele se preparava para atacar os agentes. Vídeos gravados no momento mostram outra história: a 10 metros da barreira policial, Taraykouski estava de braços levantados e, em instantes, sua mão desce para o peito, já ensanguentado. Ao cair no chão, ele é cercado por policiais.
As autoridades, que no final de semana pareciam dar certos sinais de recuo, anunciaram a libertação de mais de 2.000 das 6.700 pessoas detidas durante as manifestações. Alguns manifestantes que foram liberados denunciaram torturas durante a detenção. Eles afirmaram que não tiveram acesso a água e comida, que foram agredidos e queimados com cigarros. Além disso, dezenas de pessoas foram colocadas em celas com capacidade para quatro ou seis detentos.
Nas redes sociais ao longo da última semana, dezenas de soldados bielorrussos jogaram fora seus uniformes, negando-se a participarem da repressão contra a população.
This soldier in Belarus burned his uniform instead of supporting the dictator. pic.twitter.com/KFcaz4o1Wb
— Joshua Potash (@JoshuaPotash) August 12, 2020
De imediato, Lukashenko recebeu cumprimentos de aliados históricos, como a Rússia, após sua vitória. Lukashenko teve uma conversa telefônica com Vladimir Putin no final de semana, na qual abordou os acontecimentos, que considera uma “agressão contra seu país e toda a região”. O presidente bielorrusso afirma que o seu país enfrenta uma “revolução colorida” – nome dado a várias revoltas registradas em países da ex-União Soviética nos últimos 20 anos – com “elementos de interferência externa”.
Lukashenko disse que ele e Putin concordaram com a necessidade de seguir fortalecendo as relações entre os dois países e rejeitou a possibilidade de mediação estrangeira. “Não precisamos de nenhum governo estrangeiro, de nenhum mediador”, afirmou Lukashenko, segundo a agência Belta.
No entanto, o resultado da eleição não foi bem recebido no Ocidente. Nesta segunda-feira, o governo do Reino Unido afirmou que não aceita os resultados da eleição presidencial e deseja adotar sanções contra os responsáveis pela repressão no país. O governo britânico instou uma investigação da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), entidade internacional que fiscaliza eleições no continente europeu.
Lukashenko e a OSCE possuem uma longa história. Em 2001, em sua primeira reeleição, a organização denunciou “falhas fundamentais” no processo eleitoral, entre elas censura da mídia. A Bielorrússia ocupa a 153ª posição, entre 180 países, no ranking de liberdade de imprensa feito pela organização Repórteres sem Fronteiras.
Casos de intimidação a opositores e de bloqueios arbitrários de candidaturas já aconteciam em 2001, segundo a OSCE. Nas últimas eleições parlamentares, em 2019, fiscais da OSCE relataram urnas fraudadas e, em alguns casos, foram explicitamente impedidos de checá-las. Na ocasião, todos os 110 assentos da câmara baixa do Parlamento foram conquistados por apoiadores de Lukashenko.