Desde 2015, quando 195 nações assinaram o Acordo de Paris, durante a Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP) na capital francesa, marcou-se um “x” na folhinha do ano de 2020 — é o limite para a entrada em vigor do tratado que define as regras de controle das emissões de gases que provocam o efeito estufa, sobretudo o CO2. Existe um teto, com o aquecimento de no máximo 2 graus até o fim do século, sob risco de vivermos um cataclismo ambiental, o armagedom. Há aparente consenso, à exceção de comportamentos esquivos como os de Trump e Bolsonaro. Um ponto, contudo, tem provocado contestação e um cipoal de dúvidas durante as longas reuniões da COP 25, em Madri, na Espanha, realizada entre os dias 2 e 13.
O nó em discussão tem nome fácil e explicação um tantinho mais complexa: mercado de créditos de carbono. Como funciona? De forma voluntária, países desenvolvidos, os mais ricos, os mais sujões, entre eles os Estados Unidos, podem comprar o direito de poluir de países em desenvolvimento, como o Brasil. Qual é o destino do dinheiro? Os países pobres, naturalmente menos industrializados, que utilizam combustíveis fósseis e que, em tese, como contrapartida, deveriam utilizar o montante para conduzir projetos sustentáveis. Há regras para tais iniciativas verdes alimentadas pelos créditos de quem tem culpa no cartório: elas abrangem a implementação de fontes de energia limpa, o reflorestamento de áreas degradadas ou o investimento em tecnologias ambientais.
A conversa não é novidade, embora agora tenha esquentado. A tentativa de fortalecer um mercado de créditos de carbono começou no Protocolo de Kyoto, de 1997. Diante de necessidades mais ambiciosas, o novo mecanismo substituirá o anterior. Um exemplo didático: a Noruega, riquíssima, se comprometeu, em Paris, a reduzir em 40% as emissões até 2030. Só que, com as políticas públicas adotadas, na data estimada as emissões devem cair somente 12%. Com as novas regras do jogo, o restante do compromisso poderia ser compensado com a compra de créditos de outras nações, e os noruegueses continuariam poluindo, abdicando da promessa original. Há uma imensa contradição, portanto: de um lado, estimula-se o desenvolvimento sustentável, para quem vai receber os créditos; de outro, os poluidores se livram da responsabilidade, comprada com dólares. Pagam, enfim, para continuar poluindo. Tem tudo para dar errado, mas o mercado funcionará se, globalmente, todos seguirem as regras, sem exageros e aplicando as verbas compensatórias como devem ser aplicadas.
Para o Brasil, rico em diversidade, com a fortaleza verde da Floresta Amazônica e rios em profusão, há uma espetacular oportunidade. Mantendo-se em patamares sustentáveis, de pleno cuidado com o ambiente e zelo por energias renováveis, o país entraria no mercado com vantagens — receberia o dinheiro dos créditos e nem precisaria usá-lo para atingir as metas estabelecidas. Para Plínio Ribeiro, fundador da Biofílica, companhia brasileira que já trabalha na área e preserva 1,2 milhão de hectares na Amazônia, “o Brasil conseguiria ser a Arábia Saudita do carbono”, imaginando-se o carbono como o novo petróleo. “Para chegarmos a esse ponto de excelência, contudo, o país, as autoridades e as empresas precisam apresentar uma estratégia ambiental clara”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Estima-se que o mercado nacional possa movimentar 1 bilhão de dólares anuais em créditos de carbono — se não prosperarem teses negacionistas segundo as quais o ser humano nada tem a ver com o aquecimento global, e está tudo limpo.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665