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As lições da eleição polonesa para o mundo

Havia a expectativa de que a freada econômica da crise sanitária enfraqueceria o populismo. Seu apelo continua forte

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h55 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00
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  • Na galáxia longínqua em que o planeta Terra gravitava antes da pandemia, líderes populistas angariavam apoio por toda parte entre cidadãos descontentes com a elite política e com sua própria falta de horizontes. Veio o novo coronavírus, jogando no abismo todas as economias, e por um momento pareceu que a retórica populista — embalada por seus fiéis escudeiros, o nacionalismo exacerbado e o autoritarismo — perderia força diante da massacrante realidade. Engano. Na Polônia, o primeiro governo dessa linha a enfrentar uma eleição pós-Covid 19, a oposição de fato levantou a cabeça e chegou a ameaçar. Mas o discurso em prol dos “valores tradicionais” subiu de tom, a polarização se acirrou ainda mais e o presidente Andrzej Duda, do partido direitista Lei e Justiça (PiS), derrotou o liberal Rafal Trzaskowski no segundo turno e reelegeu-se para o cargo.

    Foi por pouco, muito pouco. Depois de passar a campanha quase inteira dando a vitória como certa, Duda começou a se ressentir dos efeitos do baque econômico, foi atropelado na reta final e ganhou com meros 51,2% dos votos. Como presidente, seu papel é cerimonial, tendo como único poder de fato a capacidade de vetar leis. A vitória, contudo, firmou pelo menos até 2023, ano de eleições legislativas, a permanência no governo do PiS, partido que ganhou maioria no Parlamento em 2015 e hoje é representado pelo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, mas tem como líder de fato Jaroslaw Kaczynski, o homem forte da Polônia. Nestes cinco anos, o PiS se dedicou a sistematicamente minar instituições democráticas, com vigor especial contra a imprensa e o Judiciário. Impôs um novo limite de idade que praticamente renovou toda a Suprema Corte e, no início do ano, editou uma lei que permite punição e até demissão de juízes que critiquem o governo. Por essas e outras, Varsóvia entrou na mira de uma ação legal por parte da União Europeia, que, no entanto, nunca foi iniciada. “A UE vem sendo lenta e pouco efetiva em suas medidas até agora, mas isso pode mudar se o governo continuar a insistir na retórica de ódio e nacionalismo”, acredita Jan Kubik, professor de política eslava da University College de Londres.

    A vitória apertada de Duda espelha o racha que divide os poloneses. De um lado, a população rural e idosa, beneficiada por políticas assistencialistas que tiraram quase 20 000 pessoas da beira da miséria em quatro anos. De outro, os jovens e os moradores das grandes cidades, preocupados com o avanço das medidas antidemocráticas e dos contínuos ataques a homossexuais, imigrantes e minorias em geral. “Os conservadores foram bem-sucedidos porque exploraram a insatisfação popular e o sentimento de exclusão da população menos educada”, diz a polonesa Malgorzata Mazurek, professora da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. As mesmas armas são usadas com mais habilidade ainda na vizinha Hungria, onde Viktor Orbán acumula poderes cada vez maiores para conduzir o país na direção do ultraconservadorismo. Tais estratégias aparecem também no arsenal de Recep Erdogan, da Turquia, outro populista que enfrenta certa oposição, mas aproveita a pandemia para esmagá-la de vez. “Ainda que a oposição tenha se saído bem na eleição polonesa, não há neste momento evidências estruturais e institucionais de deterioração dos governos de extrema direita”, avalia Malgorzata Mazurek.

    Mesmo onde não é governo, o movimento ultranacionalista trabalha ativamente para se adaptar à nova realidade sem perder terreno. Na Alemanha, o CDU de Angela Merkel encontra-se encurralado, em algumas regiões, por derrotas seguidas diante da extrema direita. Na França, Emma­nuel Macron esperneia para recuperar a avaliação positiva que já se derretia antes da pandemia, enquanto os partidos ultradireitistas abrandam o discurso para conseguir avançar. O único populista que parece ter se dado realmente mal na pandemia foi justamente o mais poderoso deles — e o que mais tem de prestar contas às instituições e à população: nos Estados Unidos ainda imerso em recordes diários de novos casos do vírus, Donald Trump, em pleno ano eleitoral, perde popularidade e seu adversário, Joe Biden, cresce nas pesquisas de intenção de votos para a eleição de novembro (pode-se argumentar que Jair Bolsonaro faz dupla com Trump, mas não tem uma reeleição em jogo daqui a quatro meses). Previsivelmente, a campanha republicana martela com mais força ainda na tecla da “América poderosa”. Com pandemia ou não, as insatisfações populares que alimentam o populismo continuam vivas.

    Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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