Caminhando para seu décimo mês, a invasão russa da Ucrânia segue provocando morte, destruição e caos, sem sinal de solução pela frente. Acuadas por ofensivas militares ucranianas em várias frentes, as tropas da Rússia formam fileiras em posição de defesa, enquanto, pelo ar, mísseis e drones arrasam usinas elétricas e redes de água e esgoto, atormentando ainda mais a população civil. Houve avanços e posições retomadas, mas o inimigo ainda controla um quinto do território e parece disposto a esperar que o inverno implacável paralise a frente de combate, abrindo espaço para um reposicionamento. Ou seja: os dois lados se preparam para uma guerra longa. Na parte da Ucrânia, a resistência e a sobrevivência têm sido asseguradas por um generoso fluxo de armas e recursos vindos dos aliados. E a Rússia, assolada por rigorosas sanções econômicas e isolada no Ocidente, como está se saindo no financiamento do conflito? Muito bem, obrigada.
Detentor de petróleo, gás, metais, minérios e grãos vitais para a maior parte do mundo, o país simplesmente redirecionou os destinos de suas exportações — e ainda saiu ganhando. Desde que a invasão se concretizou, em 24 de fevereiro, Estados Unidos e União Europeia se movimentaram para estrangular economicamente Moscou cortando laços comerciais, banindo transações no sistema financeiro internacional, congelando as fortunas dos oligarcas e figurões do regime no exterior e penalizando empresas que continuassem atuando no país ou transportando suas importações e exportações. Em abril, o Fundo Monetário Internacional previu que, por causa dessas medidas, o PIB russo encolheria 8,5% neste ano. De lá para cá, o tamanho do baque foi revisado para 6% em julho e 3,4% em outubro — uma queda significativa, mas menor do que as previstas para outras economias europeias. O motivo da volta por cima da Rússia é simples: dois terços de seu comércio exterior giram em torno de petróleo, gás, metais e minérios imprescindíveis — ou seja, ela vende o que todo mundo quer comprar.
Sendo assim, o recuo de 35% nas exportações para os Estados Unidos e 80% para o Reino Unido, entre outros, foi plenamente compensado pelo aumento do volume de comércio com a Índia (310%), Turquia (200%) e China (64%), essa hoje a maior parceira comercial de Moscou. Nessa conta, o Brasil — que até agora evitou condenar abertamente a invasão — tem papel relevante: a importação de produtos russos aqui aumentou 120% no último ano, puxada principalmente pelos fertilizantes, cuja oferta cresceu (e o preço também) depois do afastamento de outros compradores.
No caso do petróleo, esteio da economia russa, China e Índia apressaram-se a estocar o que o Ocidente dispensou e a fatia do óleo russo que os dois países importam pulou de 25% para 55%. No caso do gás e petróleo, os exportadores russos contaram com uma vantagem extra: a escalada de preços por causa da guerra. Segundo a Agência Internacional de Energia, mesmo com uma queda de 25% no volume de vendas, o faturamento cresceu 30%. A média mensal de exportação de petróleo passou de 8 bilhões de dólares em 2019 (antes, portanto, da parada da pandemia) para 10 bilhões neste ano (veja o gráfico). A Gazprom, gigante estatal russa de energia, registrou um lucro recorde no primeiro semestre.
Os especialistas alertam que a bonança comercial experimentada pela Rússia neste ano pode mudar nos próximos meses. Na Europa, a quem a Rússia supria 30% das necessidades energéticas, o bloco da União Europeia está implementando um calendário de troca gradual de fornecedores, segundo o qual as importações de carvão foram suspensas em agosto, as de petróleo via transporte marítimo vão parar em dezembro e as de todos os derivados de óleo, em fevereiro. Outro ponto fraco é a restrição às vendas de gás — o grosso ia para a Alemanha e outros países europeus via gasodutos agora obstruídos ou desativados, e a liquefação, que permite o transporte marítimo para outros pontos do planeta, exigirá investimentos caros e demorados. Também é preciso levar em conta o efeito de longo prazo das sanções, que eventualmente têm condições de paralisar a fabricação de produtos na Rússia por falta de insumos. Pode ser que o futuro seja complicado, mas até agora não faltou dinheiro a Vladimir Putin para sustentar sua desaforada invasão da Ucrânia.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817