A residência oficial do primeiro-ministro do Canadá, a Sussex Drive nº 24, é considerada uma das casas mais importantes do país. Décadas de negligência, porém, deixaram janelas rachadas, encanamentos defeituosos, um sistema elétrico com risco de incêndio – e o local até foi infestado de mofo.
Abandono de uma residência oficial pelo governo não é uma novidade tão grande a quase 10 mil quilômetros de distância do Canadá. NO Brasil, depois que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu a presidência, a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, expôs os danos causados pelos quatro anos de descuido da família Bolsonaro no Palácio da Alvorada.
Em uma visita feita junto à jornalista Natuza Nery, Janja mostrou de perto que a falta de manutenção na residência oficial resultou em janelas quebradas, piso rachado e infiltrações no teto.
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Enquanto no Brasil, antes do ataque ao Alvorada no dia 8 de janeiro, a previsão era de vinte dias de reformas para reverter os danos, com custo singelo, o Canadá estimou, no ano passado, que o preço para recuperar a residência do primeiro-ministro chegaria perto de US$ 30 milhões (quase dez vezes mais do que o estimado em 1999).
A National Capital Commission (NCC), grupo encarregado de preservar edifícios históricos em Ottawa, disse que número é considerado impressionante e reflete anos de manutenções incorretas.
Apesar do descuido com um dos prédios mais importantes do país, o atual governo ainda não se comprometeu com os gastos para a reforma e futuro do edifício ainda permanece em questão. O jornal canadense Globe and Mail chamou a casa de “monumento para nossos fracassos” e lamentou que o prédio tenha se tornado um “farol decadente sinalizando a incapacidade do Canadá em reconhecer sua própria herança”.
A propriedade, originalmente chamada de Gorffwysfa, que significa “O Lugar da Paz”, abrigou 11 primeiros-ministros desde 1951. Já seus problemas estruturais atormentam os chefes de governo desde os anos 1990. O ex-primeiro-ministro Jean Chrétien (1993-2003), chegou a convidar repórteres para mostrar como tinha que colocar baldes para aplacar grandes goteiras – inofensivas a primeira vista, mas resultaram em partes do telhado destruídas em uma tempestade.
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O atual premiê, Justin Trudeau, passou anos na casa quando criança, na época em que seu pai, Pierre, ocupava o mesmo cargo. Mas, depois de assumir o poder em 2015, ele logo declarou que não voltaria lá.
“Sabemos que a Sussex Drive nº 24 foi negligenciada por muitas gerações de políticos e primeiros-ministros ao longo dos anos. Infelizmente, está em péssimas condições”, disse ele a repórteres. “Não tenho intenção de viver neste endereço, independentemente da duração do meu mandato ou mandatos como primeiro-ministro”, acrescentou.
Foi uma crítica mais direta do que ousaram seus antecessores, mas Trudeau também resistiu a financiar a restauração da residência oficial. Em 2021, a NCC, de Ottawa, alertou que a residência do primeiro-ministro havia “chegado ao ponto de falha iminente ou real” e precisava de reparos urgentes.
Ao contrário de outros países que constituem o G7, a residência do primeiro-ministro do Canadá não tem ambientes seguros para a realização de reuniões de governo e eventos. Se a Casa Branca ou o Palácio do Eliseu estivessem caindo aos pedaços, que seria de seus líderes? Segundo representantes da NCC, “isso passa a mensagem de que você não consegue cuidar nem da sua própria casa”.
Reparos na Sussex Drive nº 24 são complicados, contudo, devido à presença de amianto, também conhecido como asbesto, de chumbo e de mofo em vários acabamentos internos.
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Segundo o Angus Reid Institute, que faz pesquisas de opinião no Canadá, a maioria dos canadenses apoia investimentos na residência do primeiro-ministro e ainda dizem que a negligência com o local é fruto de “covardia política”.
“Primeiro-ministro após primeiro-ministro continua indisposto a enfrentar o desafio de gastar muito dinheiro na reforma de seus aposentos”, disse o diretor executivo do instituto, Shachi Kurl. “Mas, ao contrário da narrativa convencional e do que os próprios políticos temem, há uma abertura para renovar ou reconstruir esta propriedade e conservá-la.”
Mesmo com o aumento do preço e a descrença do público no estado em que a casa se encontra, o atual primeiro-ministro pode se encontrar diante de uma grande oportunidade. De acordo com Kurl, mesmo que a reforma dure décadas, Trudeau poderia entrar para a história como aquele que finalmente reagiu à deterioração do patrimônio do país.