Quando os barbudos extremistas do Talibã voltaram a dar as ordens no Afeganistão em agosto, após vinte anos de ausência, o discurso era de modernização. “Não haverá violência nem preconceito contra as mulheres”, proclamou solenemente o porta-voz da milícia, Zabihullah Mujahid. Era papo-furado. A expressão mais evidente da volta da repressão foi ver apresentadoras de TV, que só cobriam a cabeça, forçadas a adotar o traje negro por cima da roupa e o niqab, véu mais radical que só deixa os olhos de fora, tudo para cumprir um decreto que agora exige essa vestimenta, no mínimo — a rígida burca (cobertura da cabeça aos pés, com uma rede na altura dos olhos) é mais recomendável e melhor ainda é não sair de casa. Só que a sociedade afegã, desta vez, está se rebelando e há indícios de racha entre radicais e pragmáticos no governo. Nos noticiários da TV, os apresentadores apareceram de máscara preta, em solidariedade, e a volta do rosto coberto vem sendo desafiada pelas mulheres em vários pontos do país. As adolescentes ainda não retornaram às escolas públicas (o ensino gratuito de meninas só vai até a quinta série), mas as particulares seguem funcionando, bem como as universidades. O desestímulo ao trabalho feminino em plena crise econômica é um baque no orçamento de muitos lares e os maridos protestam. “O Talibã não é um grupo unitário, mas é difícil dobrar os extremistas”, diz Dawn Chatty, do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de Oxford. Enquanto isso, as mulheres penam.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791