A singela imagem de gangorras de parquinho instaladas na fronteira entre Estados Unidos e México contrasta de forma desconcertante com o barril de pólvora — muita pólvora — em que se converteria aquela região exatos cinco dias depois. Foi próximo dali, em El Paso, do lado americano, que dezenas de pessoas foram fuziladas em um ato alimentado pela intolerância.
O massacre enfatizou a relevância do aceno à paz lançado pelos arquitetos Virginia Fratello e Ronald Rael, que já vinham semeando fazia tempo o projeto de instalar as gangorras entre as cercas de ferro que dividem os dois países. O muro erguido pelos Estados Unidos virou palco do drama da separação de famílias (quase 1 000 crianças foram apartadas dos pais em um ano) e símbolo da política anti-imigração da era Donald Trump, que fez da barreira uma bandeira eleitoral.
“O objetivo das gangorras era permitir que crianças americanas e mexicanas pudessem brincar juntas, mesmo estando separadas por uma muralha”, disse a VEJA Rael, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Como os arquitetos tentaram, tentaram, mas não conseguiram permissão oficial para colocar os brinquedos cor-de-rosa por entre as grades, fizeram isso por conta própria. Eles disseram que queriam plantar a ideia de que qualquer ação de um lado produz efeito do outro. Com mais de 1 000 quilômetros nesse ponto da extensa fronteira com o México, o muro é visto por Rael como um corpo estranho. “É da natureza de quem cresce em uma área fronteiriça poder se mover entre os dois mundos”, filosofa. É evidente que a iniciativa não durou muito tempo. Em poucas horas, os agentes de plantão arrancaram de lá a obra, cujas fotos e vídeos já tinham viralizado.
Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647