De todas as bandeiras empunhadas na plataforma de Joe Biden, a mais vistosa é a da sustentabilidade. Biden promete canalizar 2 trilhões de dólares para zerar no país as emissões de dióxido de carbono, o principal vilão das mudanças climáticas — uma iniciativa que envolve transformações monumentais na indústria, nos negócios e no estilo de vida. Indo na exata contramão do antecessor Donald Trump, militante das hostes que consideram a grita contra a poluição exagerada e prejudicial aos negócios, Biden se comprometeu a, na primeira semana após a posse, em 20 de janeiro, recolocar o país no Acordo de Paris (de onde Trump o tirou), um pacto mundial para limitar o aquecimento global. Dando nome e sobrenome a esse compromisso, o presidente eleito nomeou, na segunda-feira 23, o ex-secretário John Kerry para o recém-criado cargo de enviado especial para questões climáticas, uma espécie de czar do setor.
Kerry não é novato no movimento ambientalista: no ano passado, lançou o World War Zero (Zero Guerra Mundial), entidade que prega o fim das emissões de carbono no planeta até 2050 e reúne personalidades como o ator Leonardo DiCaprio e os ex-presidentes Bill Clinton e Jimmy Carter. “Os Estados Unidos agora terão um governo que encara a crise climática como a ameaça à segurança nacional que ela realmente é”, disse Kerry, ao confirmar seu papel nele.
O projeto de Biden prevê que o setor elétrico seja completamente neutro em carbono (ou seja, sem petróleo nem carvão) até 2035, uma transição que ao longo dos trinta anos seguintes se ampliará por toda a economia. “Biden sabe que o tamanho do seu comprometimento lhe dará autoridade para cobrar a mesma atitude de outros países”, diz o cientista Zeke Hausfather, do centro de pesquisas do clima Breakthrough, de Berkeley, na Califórnia. Ciente de que, passada a pandemia, as questões em torno do clima devem definir eleições, carreiras e desempenho dos negócios, a geopolítica internacional em peso se mexe para não perder o bonde elétrico. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, pôs em andamento o que chama de “nova revolução industrial”, com incentivos ao uso de novas fontes de energia e a proibição de carros movidos a gasolina e a diesel a partir de 2030. Justin Trudeau, do Canadá, acaba de anunciar que começará a taxar as emissões de carbono em 2022. A União Europeia condicionou um terço do pacote de 900 bilhões de euros para a recuperação econômica pós-pandemia ao uso de iniciativas de transição energética.
O plano mais ambicioso parte da China, o maior emissor de carbono do mundo (mais do que Estados Unidos e União Europeia juntos). “Exortamos todos a buscar um desenvolvimento inovador, coordenado e verde”, pediu o presidente Xi Jinping na Assembleia-Geral da ONU, em setembro. A meta chinesa, acrescentou, é acabar com as emissões de carbono até 2060. Ao longo da última década, os chineses inundaram o mercado de placas solares e turbinas eólicas, promovendo uma queda de 80% no custo desses produtos. “Já estamos vivendo uma corrida tecnológica na redução de carbono.”, diz Alex Wang, especialista em política climática chinesa da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Para o Brasil, hoje um pária na comunidade ambientalista, esse impulso sustentável, se bem administrado, pode render lucrativos negócios em energias alternativas, como a eólica e os biocombustíveis, em que o país dispõe de tecnologia avançada. O futuro, ao que tudo indica, é verde.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715