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Txai Suruí: “Lutamos para não perder os direitos que já temos”

Jovem liderança da etnia Paiter Suruí, a indígena que discursou na COP 26 defende o engajamento da juventude na política como ferramenta de mudança

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 jan 2022, 15h12 - Publicado em 21 jan 2022, 15h54
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  • Foi com um discurso poderoso que a jovem Txai Suruí chamou a atenção do mundo para a emergência climática e a situação crítica em que vívem os povos originários do Brasil durante a COP 26, realizada no fim de 2021. Foi também o momento em que muitos passaram a conhecer – e ouvir – a líder indígena. Apesar de ter apenas 24 anos, já conta com uma longa trajetória no ativismo. Atua na ONG criada pela mãe, ajudou a fundar um movimento da juventude indígena e é conselheira da WWF Brasil, entre outras atribuições. 

    Em entrevista a VEJA, Txai conta sobre sua formação, fala sobre a importância das redes sociais em ampliar suas conexões e o poder de mobilização em tempos digitais e afirma que o caminho para a mudança passa pela participação popular, com o envolvimento de jovens na política. 

    Você ficou conhecida no mundo inteiro após seu discurso na COP 26, mas seu trabalho como ativista é muito anterior. Como você começou?

    Muita gente realmente passou a me conhecer por causa do discurso na COP 26. A repercussão foi muito maior do que eu imaginei. Apareci em alguns dos principais jornais do mundo. Mas minha trajetória não começa agora. Sou ativista do meu povo, Paiter Suruí, desde criança. Minha mãe sempre conta uma história de quando eu era bem pequena e fui com ela em uma manifestação. De repente, eu sumi da vista dela. Ela começa a me procurar. Quando ela olha, estou na frente de um monte de gente, com microfone na mão, pedindo pelos direitos das crianças indígenas. E não é só isso. Meu pai, hoje, é o chefe maior do meu povo. Nossas aldeias ficam nas linhas [como são chamadas as estradas vicinais de Rondônia], e cada aldeia tem um representante. Em um encontro com vários deles, eu ainda era criança, e meu pai e meu avô me colocam em cima e dizem que um dia eu seria líder. Não foi só uma promessa, eles estavam profetizando aquilo. Porque é algo grande para meu povo. Não existem ainda mulheres líderes. A única sou eu. Os cargos de líderes são para homens. Naquele momento, meu pai e meu avô quebram a tradição. Me apresentam para o povo como alguém que vai liderar. 

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    Você atua hoje em várias organizações e instituições. Como foi se envolvendo com elas?

    Desde pequenininha, sempre dividi minha infância entre estar aqui, na cidade, e na minha terra, que é terra indígena. É dos povos originários que tenho essa visão de comunidade, de coletividade, de estar dentro das associações. Também trago isso dos meus pais, que sempre foram ativistas. Minha mãe, Neidinha Suruí, é fundadora da ONG Canindé, que trabalha há 29 anos com povos indígenas. Agora, em 2022, a ONG completará 30 anos. E sempre convivi com muita pressão. Porque a terra em que a gente se encontra é muito grande, muito rica, com 17 nascentes. Lá vivem três povos em isolamento voluntário. E temos que lutar contra o garimpo, o gado, a extração ilegal de madeira. Mais velha, para continuar estudando, precisei ir para a cidade. Fui líder de sala, participei da atlética. Depois fui trabalhar na Canindé, primeiro na área financeira, depois na jurídica. Durante a pandemia, ajudei a fundar o Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, da qual também sou coordenadora. O movimento reúne mais de 12 etnias do Estado, mais de mil jovens do sul do Amazonas.

    E como foi sua participação na COP 26?

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    A primeira COP que participei foi a 25, de Madri, que na verdade era no Chile, mas aconteceu em Madri. Fui representando os jovens indígenas. Antes, sempre falamos da questão territorial, sem fazer a conexão com a questão da mudança climática. Mas percebi a importância de fazer essa ligação em um nível global, e não apenas apontando os problemas, mas mostrando as soluções, o que nossos povos estão fazendo para proteger nossos territórios. A partir daí, começamos a preparação para a COP 26. Hoje, também sou conselheira da WWF Brasil. E fui à COP representando outras organizações. Trabalho de ativismo e organização não falta. Porque está tudo ligado. O que estamos buscando é um mundo melhor. E não acredito em nada que não seja feito coletivamente.

    Há um envolvimento maior da juventude em temas como mudança climática e demandas sociais. Há uma preocupação de que o futuro desses jovens esteja em risco?

    Nem estamos mais falando de futuro. Antes, quando a gente falava de mudanças climáticas, parecia algo muito distante. Agora, estamos falando da Bahia, de Minas Gerais. Já está acontecendo. E a situação é ainda mais grave no contexto brasileiro, de desesperança, desemprego, inflação. Foi nesse contexto que muitos cresceram. E ainda assim, os jovens estão passando uma mensagem importante. Na COP 26 vimos delegações enormes de jovens de todos os países. Mesmo a nossa delegação do Brasil estava bem diversa. E a nova geração está dando o exemplo. É só ver a Greta Thunberg, a Vanessa Nakate. Elas falam da questão climática mostrando que não é só meio ambiente. São temas como qualidade de vida, cidades sustentáveis, saneamento básico. Todo mundo percebeu que vai sofrer se nada for feito.

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    Você tem uma atuação importante nas redes sociais, assim como outras lideranças indígenas jovens. A internet tem ajudado a alcançar mais pessoas?

    As redes sociais são um instrumento de luta. A gente usa como forma de proteção da nossa cultura. Tradicionalmente, passamos o conhecimento de forma oral. Mas hoje, podemos gravar um vídeo de uma história que meu pai está contando. E ela não será perdida nunca mais. Meu filho um dia vai poder ouvir a história que o avô contou. Também usamos como maneira de denunciar o que está acontecendo aqui. Porque ninguém na Europa, nem mesmo no Brasil, tem ideia do que acontece aqui. A internet também é um instrumento de articulação. O Movimento da Juventude surgiu durante a pandemia. Não podíamos nos encontrar, então foi tudo pela internet. É claro que nada substitui o encontro cara a cara, mas ajuda a levar nossa mensagem para mais gente. Depois da COP, ganhei muitos seguidores. Assim, vamos aumentando nossa rede de parceiros.

    Nenhum governo desde a redemocratização olhou com a atenção devida para as demandas dos povos originários. Mas hoje vocês sentem que a situação está pior?

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    A gente não pode se iludir. Não dá pra dizer que os governos anteriores foram o paraíso. O governo da Dilma foi o que menos demarcou terras indígenas. Mas é inegável que as coisas estão piores. Além de as terras não estarem sendo demarcadas, as que já foram demarcadas estão sendo atacadas. E com o incentivo do presidente, com as falas dele. Há uma política antiindígena, anti ambientalista. É só olhar para o Marco Temporal ou a PEC 490.

    Há uma perspectiva de mudança para o próximo governo?

    A esperança parte de um trabalho. E a gente está fazendo isso, um trabalho de base. Nos organizamos para lançar candidaturas de mulheres indígenas. Fazemos encontros da juventude para mostrar a importância de termos candidatos indígenas a nível estadual. Aí que a coisa começa a mudar. Ao colocar nossos candidatos indígenas, vamos conseguir lutar contra a PEC 490 no legislativo. Podemos olhar para exemplos na América Latina. No Chile, vão escrever uma nova constituição com participação dos povos originários. 

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    Como colocar o meio ambiente como prioridade de qualquer governo que assumir no ano que vem?

    O meio ambiente não deveria ser uma proposta, um programa de governo. Deve ser um compromisso de todos. De não destruir tudo. Voltando a falar de COP. O Brasil é visto como um dos países chave na questão ambiental. Antes, preservava seu meio ambiente. Hoje, somos vistos como vilões. Temos que falar de política. E quem fala melhor sobre esse assunto do que os povos indígenas? Temos que ter mais presença na política, e não apenas por representatividade. Porque nunca teremos uma política diferente se esses lugares foram ocupados sempre pelas mesmas pessoas.

    Como começar a construir esse projeto?

    Como falei, não acredito em nada que não seja construído coletivamente. Por isso, temos que trazer o povo para um espaço que é do povo. Fazer uma política de fato participativa e transparente, algo que nos falta muito. Falar de meio ambiente não é programa de um candidato, mas um compromisso que envolve pensar em soluções sustentáveis. Passando pelas consequências da crise climática. E para fazer isso precisamos de jovens, mulheres, negros, indígenas. Todos. Precisamos pensar num país menos desigual. Porque hoje não estamos nem lutando para ganhar mais direitos, mas para não perder o que já temos. 

    Há um sentimento entre os jovens de que não vale a pena se envolver com política porque só há corrupção nesse meio. Como despertar o interesse deles e mostrar que a mudança é possível?

    Mostrando o que é a política para essas pessoas. Que ela passa por tudo. Está em todos os aspectos da nossa vida, até os pessoais. Eu, por exemplo, nunca me casaria com uma pessoa com pensamentos ideológicos avessos aos meus. Temos que mostrar o impacto da política em nossa vida. Que não adianta simplesmente reclamar das coisas. Para querer mudar é preciso participar. Mostrar aos jovens que falar de política é falar de participação popular. Falando aqui da nossa cidade, Porto Velho. O Plano Diretor passa por audiências públicas. A população é consultada. E isso é política. Se envolver é querer construir uma cidade melhor. E temos que trazer um pouco os grandes temas para a realidade das pessoas. Falar de mudança climática levando isso para a realidade de cada um, no sudeste, no sul. Fazer um debate acessível, mostrar que a política está nas coisas cotidianas.

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