DOHA – Ainda levará um tempo para que o aconteceu no estádio Cidade da Educação seja digerido, mas é certo que a arrancada de Orsic livre pela esquerda e o chute de Petkovic, desviado no joelho de Marquinhos, tirando a chance de reação de Alisson, entrará para a história da seleção brasileira como um dos mais dolorosos – porém, não necessariamente injustos – castigos do futebol. Menos dramático do que o gol do uruguaio Ghiggia no Maracanazo de 1950, tão lamentado quanto a enfileirada de Maradona em 1990. O Brasil não jogou bem contra a Croácia e foi derrotado nos pênaltis, após sofrer o empate em 1 a 1 aos 12 minutos do segundo tempo da prorrogação, pois não foi concentrado, muito menos eficiente como a ocasião pedia.
Repete-se, assim, a maldição das quartas de final: em 2006 contra França, em 2010 contra Holanda e 2018 contra a Bélgica. Novamente, um europeu, desta vez o menor deles (a Croácia tem apenas 3,8 milhões de habitantes). O debate será novamente focado na falta de testes de peso contra a escola europeia (ou em tolices sobre dancinhas), mas não deveria, até porque não se tratou de uma escolha da CBF. A Copa do Catar vem apresentando diversas zebras, africanas, asiáticas, e até mesmo as maiores escolas europeias como Alemanha e Espanha já foram vítimas. Independentemente do continente do adversário, o Brasil não poderia ter perdido esse jogo, apesar do heroísmo dos croatas, que mais uma vez suportaram uma prorrogação.
Faltou ao Brasil a maturidade de sustentar uma vitória que parecia certa, com um golaço de Neymar – que até então fazia uma péssima partida, mas mostrou por que o craque não pode ser substituído, mesmo baleado fisicamente. A impressão que fica é que o time repleto de jovens não levou com a devida seriedade um jogo que já pintava como enroscado e desperdiçou uma penca de chances. E Tite, claro, tem culpa no cartório.
O primeiro tempo já deu a senha. Com Danilo escalado na esquerda, na ausência de Alex Sandro, que ainda não se recuperou plenamente de uma lesão no quadril, e Militão na direita, o Brasil se ressentiu de maior qualidade na saída de bola. A formação com apenas Casemiro como meio-campo mais marcador, que se mostrou mais do que suficiente contra a Coreia do Sul, desta vez foi superada pela força e qualidade do trio de meias croatas, Modric, Brozovic e Kovacic. Para piorar, Casemiro, o melhor do time na Copa toda, abusou dos erros de passes.
A Croácia conseguiu incomodar a saída de bola do Brasil e, inteligentemente, “cozinhou” o jogo quando teve a bola, mesmo sem levar perigo, fazendo o Brasil correr. O lateral direito Josip Jurovic foi um constante tormento para Danilo, que desta vez não contou com muita ajuda de Vinicius na recomposição. Neymar voltou para buscar jogo, distribuiu alguns dribles, mas teve os espaços negados. No segundo tempo, o Brasil foi amplamente superior, mas esbarrou novamente na defesa bem formada dos croatas e nos erros individuais. Raphinha, que já não vinha tendo a regularidade esperada, fez sua pior partida e foi substituído no início do segundo tempo.
Neymar parecia incomodado, talvez ainda sentindo dores no tornozelo, e falhou especialmente em dois lances em que Richarlison fez bem o pivô e o deixou em condições de marcar. Seus chutes, porém, foram fracos e pararam nas defesas do goleiro Dominik Livakovic, um dos grandes destaques deste Mundial, que ainda teria seu momento de glória absoluta.
O filme da eliminação para a Bélgica, na mesma fase, passava na cabeça dos torcedores de amarelo, inclusive os estrangeiros de diversas partes da Ásia. O cenário era diferente, claro, pois o Brasil não estava atrás do placar, mas o time chegou a demonstrar paciência e serenidade em alguns aspectos. Marquinhos, por exemplo, matou corretamente um contra-ataque perigoso, algo que poderia ter sido feito há quatro anos na arrancada de Lukaku para o gol de De Bruyne. O destino, porém, é cruel, e foi ele, logo um dos atletas mais regulares de todo o ciclo, seguro como poucos, quem desviou a bola bandida do gol croata e ainda errou o pênalti que sacramentou o fracasso.
É, sim, um vexame, inevitavelmente na conta dos atletas e de Tite, que não encontrou as soluções necessárias para uma partida em que o Brasil foi superior e fez substituições contestáveis, como a saída de Vinicius Junior. O treinador teve azar com tantas lesões no setor, mas seu maior pecado foi ter levado Daniel Alves, de 39 anos, e não tê-lo utilizado, mesmo diante do desgaste do improvisado Militão e das claras limitações físicas de Danilo. Ter escalado o jovem Rodrygo para abrir a decisão por pênaltis também foi uma tremenda bola fora.
Assim, o treinador gaúcho de 61 anos repete exatamente o que fez Telê Santana, em 1982 e 1986. Foram os únicos a dirigir o Brasil em duas Copas seguidas, realizar um trabalho com começo, meio e fim. E o desfecho foi amargo, talvez até mais do que o de 2018. Fica o registro da valentia da Croácia, uma nação independente desde 1998, que chega a sua terceira semifinal de Mundial. Do lado brasileiro, o clima é de choro e decepção, e não havia como ser diferente.