Adenor Leonardo Bachi, o técnico Tite, encerrará sua passagem de seis anos pela seleção brasileira na Copa do Mundo do Catar e tem bons motivos para crer que o fará da melhor forma. Em 76 jogos desde a estreia em 2016, seu time somou 57 vitórias, 14 empates e apenas cinco derrotas, com 81,% de aproveitamento. Para além da dos números, que sempre foram bons, nos últimos tempos as apresentações do Brasil vieram acompanhadas de um tempero a mais, com velocidade e criatividade. Tite, portanto, superou as fases de maior contestação e hoje vê o grupo fortalecido para a disputa que começa no próximo domingo, 20, em Doha.
O treinador gaúcho de 61 ano concedeu entrevista à revista PLACAR, na qual exaltou a melhora do time desde a entrada dos “perninhas rápidas”, como se refere aos jovens e habilidosos atacantes à disposição e minimizou as críticas que recebeu durante o ciclo. Sereno na maior parte do tempo, Tite só ergueu o tom de voz duas vezes, em temas relacionados à família, ao defender o trabalho de seu filho e auxiliar Matheus Bachi e a presença de parentes na concentração.
Confira, abaixo, os principais trechos:
O MOMENTO DA SELEÇÃO
Os atacantes “perninhas rápidas” e a explosão de Pedro do Flamengo representam esperança de bom desempenho
Este é o melhor período de seus seis anos de trabalho? São ciclos, situações diferentes. Desses últimos quatro anos, creio que seja o melhor recorte. A seleção foi se construindo, acertando, errando, testando sistemas diferentes. Em 2019, fomos campeões da Copa América, mas não era um futebol que me agradava na plenitude, faltava uma criação maior. Teve a Copa América de 2021, fizemos um jogo muito igual com a Argentina na final, mas perdemos. A vinda dessa nova geração de atletas, principalmente do setor da frente, os pontas ou externos com grande qualidade técnica individual, nos trouxe, aí sim, a melhor versão da seleção brasileira.
Em algum momento, antes da atual boa fase, houve instantes de insegurança, de dúvida sobre sua permanência no cargo? Ninguém é super-homem. Claro que há situações de fragilidade maior, de oscilação, meu e da comissão técnica. Meu momento mais difícil, particularmente, foi logo depois da Copa de 2018, com amistosos foram muito pesados. Pensei: “pô, cara, mais quatro anos assim?”. Essa exposição é gratificante, mas é pesada. Fomos passo a passo, convocação a convocação, e nos demos oportunidade de fazer esse ciclo inteiro, isso foi me fortalecendo. O Cléber [Xavier] mais especificamente foi esse suporte mais íntimo, mais pessoal. Teve um momento, no hotel, que eu o chamei e disse que estava bastante pesado para mim, e ele me tranquilizou. Mas, humanamente tive, sim, principalmente no início, essa inconstância.
O Brasil se acostumou a enfrentar equipes muito fechadas. Acredita que na Copa alguma seleção possa adotar uma postura mais ofensiva? Isso seria bom? Por característica, nosso conceito é de proposição, não abrimos mão de iniciar um jogo desde atrás, de colocar cinco jogadores, às vezes seis, no campo adversário. Mas tem seleções que fizeram isso contra a gente, como Argentina, Colômbia e Chile, pelas eliminatórias. Eles puseram os alas lá em cima, e tivemos certa dificuldade. Nos amistosos, Coreia do Sul e Japão tentaram jogar e nós gostamos disso, estamos preparados para atrair e depois sair. A Sérvia, nossa adversária da estreia, foi para dentro de Portugal no jogo que definia a vaga na Copa. Não vamos jogar só empurrando o adversário para baixo, o jogo vai apresentar diversos momentos. Nossa maior preocupação é ter equilíbrio.
Com a convocação do Pedro, o Brasil passa a ter a opção de jogar com um 9 mais fixo ou a tendência é manter um ataque mais móvel? O Pedro é um jogador difícil de encontrar pela característica. É o jogador da jogada terminal, de uma equipe que marca baixo, que vai precisar de cabeceio ou de um pivô para alguém que vem de trás. Então, existe essa possibilidade. O Gabriel Jesus ataca o espaço, vem, faz o pivô, mas ataca o espaço. O Richarlison faz a mesma coisa, ele ‘vira de bunda’ para o meia, não quer fazer tabela, quer bola na frente, tem esse cheiro para o gol. Há outros jogadores que dialogam com o meia, saem de uma posição de frente para vir tabelar. Temos muitas opções.
Especialmente pontas clássicos, como Vinicius Jr., Raphinha e Antony, os tais “perninhas rápidas… Sim, o futebol é tático, visual e às vezes de difícil compreensão. Por isso, digo que vocês, jornalistas, são fundamentais para que o torcedor se eduque e enxergue. Me questionam: “Ah, mas por que o Tite não tem o lateral que vai ao fundo igual o Jorginho, igual o Cafu?” Não é o que eu quero ou não quero. Se eu tenho dois ótimos pontas, por que que eu vou colocar o lateral lá? Nossos laterais são mais construtores.
Falando em pontas, é sempre bom lembrar do personagem Zé da Galera, criação de Jô Soares, que em 1982 implorava para Telê Santana escalar pontas na seleção… É verdade, essa crítica eu não sofro. Sofro outras, mas não essa (risos).
Mas o clamor popular, o pedido das ruas, afeta suas decisões? Ser técnico é escolher agradar alguns e desagradar outros. A divergência é da vida, é do jogo, e inclusive do momento social que vivemos. Mas com paz, com calma e que se tenha um aprofundamento. O modelo que a gente gosta é um modelo equilibrado: dois atacantes, quatro meio-campistas. Sobre os pedidos por jogador, existe a forma respeitosa e a desrespeitosa de pedir.
CRÍTICAS, BAIRRISMO E NEPOTISMO
O treinador diz não se abalar com a virulência de torcedores nas redes sociais e defende o filho Matheus Bachi, seu auxiliar
Ser técnico da seleção é uma vidraça constante. Como lida com críticas de nomes como Casagrande e Romário? Algumas pessoas se identificam com o nosso trabalho e comigo. Há uma identificação de estilo, de metodologia, do aspecto ético, da educação. Essas pessoas têm todo o meu carinho e minha alegria de poder representá-los, independentemente do resultado. Outras não enxergam assim e eu tenho de compreender. Tenho até familiares e amigos que não vão torcer por mim, imagine outras pessoas. Então, tenho de ter essa compreensão maior. Me preocupo apenas é com o respeito e com a informação correta. Quando uma crítica vem, dá para ver se ela é pesada, odiosa… quando é do mal conseguimos sentir esse cheiro. É muito mais pela forma com que se diz do que aquilo que se diz. Aos 61 anos, já tenho experiência suficiente para perceber.
O bairrismo sempre fez parte da relação da torcida com a seleção. Por coincidência, este é o quarto comando consecutivo de gaúchos, depois de Mano Menezes, Dunga e Scolari. Sente que o fato de ser mais identificado com o futebol do Rio Grande do Sul e de São Paulo, e de nunca ter trabalhado em clubes do Rio, é o que provoca alguma rejeição entre os cariocas? É interessante a tua pergunta. Sabe por quê? Moro no Rio há seis anos e cinco vezes por semana eu e a minha esposa caminhamos no calçadão. Nunca sofri desrespeito por parte do torcedor. O máximo que falam é: “ô Tite, ó o Pedro. Tite, ó o Gabigol”. Mas não com agressividade. É um respeito muito legal. As mídias sociais é que se manifestam mais. Fica como reflexão. As redes estão cheias de haters, deixemos eles falarem. Queremos fortalecer com quem se identifica conosco e entender esses outros. O silêncio por vezes é rico.
Seus críticos costumam citar muito a presença de seu filho, Matheus, na comissão técnica. O quanto esse debate sobre nepotismo te magoa e por que Matheus raramente aparece com o senhor em entrevistas, ao contrário de outros membros da comissão como Cleber e Cesar Sampaio? Será que ele aparece pouco por minha causa ou por que não é procurado devidamente para mostrar sua formação profissional e universitária? Será que sabem qual é a função dele dentro da comissão? Eu tive que explicar, por exemplo, a importância dele nas bolas paradas. A crítica é inevitável, mas eu e ele temos uma situação muito tranquila. Ele vai carregar com ele o peso do pai e eu o do filho. É impossível o médico ter um filho médico bom? E o músico ter um filho músico bom? O Matheus é bom para c…! Não é pouco bom, não, ele é muito bom.
O senhor já avisou que deixa o cargo após a Copa. Gostaria de ver um treinador estrangeiro em seu lugar? Te confesso que não sei, é difícil. O que tenho para comigo é uma conduta ética, e eu gostaria que fosse um brasileiro. Isso é uma opinião pessoal. Mas do ponto de vista profissional, a qualificação se dá independentemente do país. E aí as pessoas que têm a responsabilidade podem entender qual profissional tem o perfil para seguir, mas não me dou ao direito de avaliar trabalhos, escolas, estilo de jogar. Inclusive, existem no mínimo três modelos de futebol no Brasil. Um vertical e direto, de velocidade. Um de jogo apoiado. E um que é híbrido. Qual escola você quer para uma sequência? O dirigente precisa saber escolher. O planejamento é da vida e do jogo, assim como o fim de ciclos.
NEYMAR EM ALTA, DANIEL ALVES EM BAIXA
O Neymar iniciou muito bem a temporada, superando inclusive rumores sobre atritos com Mbappé e eventual saída do PSG. O senhor conversou com ele? Primeiro houve a busca pela informação verdadeira, porque teve até jornal informando que o Mbappé já estava no Real Madrid. Acompanho, não quero formar conceito em cima de algo que talvez não seja verdade. Quando conversei com Neymar, perguntei qual era o projeto dele e ele disse que era a permanência dentro do PSG. Falamos de sua preparação física, ele foi para Mangaratiba para adiantar todo o processo de preparação. Aí ele volta para o PSG, e está arrebentando, fazendo gols, dando assistências. E o oitavo jogador que desce para auxiliar na marcação é ele, não é o Mbappé, não é o Messi.
Daniel Alves, de 39 anos, não foi bem em sua passagem pelo Pumas, do México. A situação dele preocupa? Estamos acompanhando todo o processo técnico e físico dele. A comissão acompanhou jogos, se informou sobre a situação do Pumas, que foi 12ª colocada no campeonato passado, então não tem tanto poderio técnico. Ele já jogou mais por dentro, depois foi mais de lateral. Na posição que nós queremos ele não é um jogador de amplitude, mas de articulação. Para ser marcador, correr para trás, a opção é o Danilo. Mas o Daniel pode ser um lateral construtor, porque a qualidade técnica, a qualidade de passe, as percepções, a criatividade dele, são impressionantes.
O TANGO ARGENTINO
Ele lamenta a perda da Copa América para os arquirrivais, mas diz ter sofrido mais com a eliminação contra a Bélgica, em 2018
A derrota para a Argentina, na final da casa da Copa América no Rio foi a mais dolorida? Não, a mais dolorida foi a da Bélgica, em 2018. Nós vencemos a Argentina na Copa América de 2019, fizemos 3 a 0 nas outras Eliminatórias. Perdemos na final da Copa América, mas têm sido grandes jogos, marcados pelo alto nível técnico e de competitividade. Em alguns momentos, passou para a agressão como foi o caso da cotovelada em Raphinha [lance envolvendo Otamendi e ignorado pelo VAR, no empate por 0 a 0 em Rosário]. Na final do Maracanã dava para ter jogado mais, esse sentimento fica. O Neymar individualmente arrebentou, foi talvez a melhor versão dele, jogou muito, mas a equipe estava num processo de ajuste, de melhoria ofensiva.
FAMÍLIA E SOCIEDADE
A firme defesa da convivência dos jogadores com a família, nos hotéis, e a cuidadosa discrição em torno de suas posições políticas
Sobre planejamento interno e presença de familiares em hotéis da seleção, o que muda em relação a 2018? Você acha que errou? Na Rússia, houve problemas com familiares do Neymar… Achar que a família ficar perto é contraproducente é algo muito raso, muito pequeno. Quando fui campeão do mundo pelo Corinthians, em 2012, dois andares acima estavam a minha esposa e os meus filhos. Aí eu ia lá e dizia: “deixa eu ficar um pouquinho, que quero me energizar, me fortalecer”. Claro, tem momento para fazer isso. Na Copa de 2018 tinha momentos em que via os familiares e depois deu, tchau. Mas você quer que fechemos o hotel todo? O que erramos, e que foi corrigido, é que teve atividade fechada à imprensa e depois familiar gravando vídeo. Isso está errado e nós corrigimos, é um desrespeito com vocês, foi um ato inconsequente. Mas daí a falar que ficar longe da família é ruim, é muita pobreza de espírito.
Afinal, o senhor assinou a Carta pela Democracia? Não, não assinei nada. Quero ficar envolvido no esporte. É um processo muito grande de Copa do Mundo e não quero que desvirtue nada. Tenho minhas posições políticas, claro, os meus comportamentos mostram quem eu sou, o Adenor. O Tite, técnico da seleção, democraticamente, se permite a ter uma posição independente. E não tem nada a ver com os atletas, eles têm toda a liberdade [para se manifestar], a comissão técnica dá essa liberdade.