“Os israelenses não são bem-vindos”, diz um deputado – e o clima esquenta nos Jogos
A polêmica frase de um parlamentar da extrema esquerda põe as autoridades francesas em polvorosa
Os Jogos de Paris ocorrem num momento de alta agitação planeta afora, com guerras em curso e latente tensão geopolítica. Daí os organizadores estarem particularmente atentos à segurança, alertas aos riscos de ataques em meio a um evento de alta visibilidade e numa cidade em que tudo reverbera. Neste terreno ultra delicado, Thomas Portes, um deputado da França Insubmissa, o partido da esquerda radical liderado por Jean-Luc Mélenchon, causou estilhaços ao disparar: “Os atletas israelenses não são bem-vindos.” E ainda apelou para uma mobilização.
A declaração despertou reações imediatas, a começar por integrantes do ministério de Emmanuel Macron. O ministro das relações exteriores, Stéphane Séjourné, logo se manifestou: “Foi irresponsável e perigoso dizer aquilo. Os israelenses são, sim, muito bem-vindos”. À frente da pasta do Interior, Geral Darmain foi mais longe, ao afirmar, com todas as letras, que o repúdio aos atletas israelenses contêm um fundo antissemita.
Como é comum na França, houve cisão dentro da própria esquerda, com vários quadros repudiando a frase do colega. Fato é que ela espelha algo que não está apenas na cabeça do parlamentar. Desde que o Comitê Olímpico Internacional bateu o martelo sobre o banimento da Rússia (os atletas poderão participar sem hino nem bandeira), vem sendo pressionado por vozes pró-Palestina a impingir castigo semelhante aos israelenses, metidos em um sangrento conflito que extrapola a Faixa de Gaza e já custa milhares de vidas.
Não satisfeito com sua primeira frase, Portes voltou à cena com tudo: “Os diplomatas franceses deveriam pressionar o COI a também barrar a bandeira e o hino de Israel”, arrematou. E o caldeirão se manteve em ebulição, dando uma palhinha do que pode estar por vir quando os duelos nas quadras e tatames darem a largada.
TRÉGUA, QUE TRÉGUA?
Quando o Barão de Coubertin reabilitou os Jogos na era moderna, no fim do século XIX, aspirava trazer de volta a cartilha da trégua olímpica – período em que as guerras cessariam em nome de uma utópica união pacífica dos povos, que deixariam suas rusgas para depois. A história provou ser impossível a implantação da ideia, numa trajetória de mais de um século lotada de eventos que em nada inspiraram harmonia. “Os comitês dos 206 países que vão participar agora fizeram um chamamento pela paz”, garantia o presidente do COI, o alemão Thomas Bach, em cerimônia no Palácio Élysée, a residência presidencial. Mas ele teme, e já compartilhou isso com colegas de comitê, que a polarização possa transbordar para as arenas.
Muito tem se especulado sobre a segurança dos 88 atletas que compõem o time israelense. Os jornais locais mencionam a presença de agentes de Israel na Vila Olímpica, mas o COI não confirma. Também circula a história de que haverá homens armados a bordo da embarcação dentro da qual os atletas de Israel vão deslizar sobre o rio Sena na festa de abertura – em que não será, aliás, o ultra desgastado Benjamin Netanyahu a representar seu país, mas o presidente Isaac Herzog. “Não é segredo para ninguém que esses Jogos são mais difíceis para todos nós, mas temos confiança plena na organização da segurança”, disse o presidente do comitê olímpico, Yaël Arad.
Sob esta atmosfera, o comitê israelense recomendou que os atletas fujam das declarações de cunho político. E não é só ele que faz a súplica. O presidente Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, já pediu aos esportistas que evitem qualquer contato com russos e vem inclusive se queixando da presença deles em Paris. O deputado francês, como se vê, atiçou uma labareda com potencial de virar um fogaréu. Não custa lembrar que, chama por chama, melhor ficar com a olímpica.