Com os campeonatos regionais de 2022 em andamento, os torcedores já têm uma ideia clara do que significou descentralizar a transmissão dos jogos de futebol, uma tendência que se repete em diversos países. As opções se multiplicaram, principalmente no Paulistão e no Carioca, com jogos na TV aberta, mas também nos canais por assinatura, no pay-per-view, nas plataformas de streaming criadas pelas federações, nos canais dos próprios clubes e pela internet afora — até os influencers Gaules e Casimiro, que ganharam espaço “comentando” games, fazem parte da nova onda. Tudo muito democrático e acessível, certo? Errado. Além de ter ficado mais difícil saber onde a partida do seu time vai passar, a variedade de formatos e preços afasta os espectadores. Mais ainda: muitas plataformas estão despreparadas — e nem foram testadas corretamente — para receber centenas de milhares de usuários ao mesmo tempo. Resultado: muitas reclamações de instabilidade e travamento.
Tome-se o exemplo do Paulistão. Apesar de ter perdido a relevância de tempos atrás, o torneio ainda é um dos mais renhidos do país. Entre os dezesseis participantes, estão cinco clubes da Série A do Brasileiro: Bragantino, Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo. Quem quiser assistir aos jogos do campeonato regional deste ano terá pelo menos sete alternativas, que vão da TV Record ao YouTube, passando pela plataforma da Federação Paulista de Futebol, o Paulistão Play, e pelo canal de entretenimento HBO Max, sem contar as exibições patrocinadas pelos times. Do amplo leque de possibilidades, porém, brotam tropeções: tecnológicos, com transmissões instáveis e cheias de interrupções, e práticos, dada a dificuldade de saber quem passa o que e quando.
Os obstáculos se espalham por outros estaduais. A segunda rodada do Cariocão 2022 escancarou a fragilidade de um modelo que tem atores ainda sem experiência. As transmissões dos jogos entre Volta Redonda e Flamengo e Vasco e Boavista foram pontuadas por quedas de sinal no Cariocão Play, plataforma da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj). Depois, a entidade se desculpou publicamente e cobrou melhorias da Sportsview, responsável pela exibição. A empresa, por sua vez, pediu explicações para a Broadmedia, que atuou na parte técnica. A justificativa: problemas nos cabos de fibra óptica da Embratel. Os torcedores que pagaram de 129,90 reais (pacote completo) a 29,90 reais (jogo avulso) ficaram revoltados e inundaram as redes sociais pedindo a volta do modelo antigo.
Em Minas, também houve confusão, no incômodo vai não vai, com interrupções na transmissão e na recepção do sinal, na vitória do Cruzeiro por 3 a 0 contra a URT, em um sistema apoiado pelo jornal O Tempo. “A aposta nesses novos modelos de distribuição, cortando o intermediário, deve ser encarada como de médio e longo prazo, não algo que vai gerar lucro de cara”, escreveu no Twitter o especialista em gestão de inovação Felipe Ribbe, ex-executivo da área no Atlético Mineiro e que trabalhou com transmissões de partidas esportivas no SporTV durante quatro anos. “Se o foco for lucrar agora, pode ter certeza de que o produto será ruim.” Resumo da ópera: não é fácil, longe disso, entregar material de qualidade.
Houve um pouco de pressa. A transmissão de esportes no streaming ainda tem muito a evoluir no Brasil. É decisivo notar, no entanto, que o modelo soa definitivo, e parece não haver possibilidade de recuo: em 2012 a receita publicitária e de assinaturas do setor representava 4% do mercado de mídia global. Atualmente, responde por 32%. Antes do sucesso, porém, será fundamental melhorar a internet brasileira, e a chegada do 5G pode ser útil. “Também é preciso que essas plataformas criem novas receitas de publicidade e trabalhem de forma complementar com a TV”, diz o consultor esportivo Amir Somoggi.
As dores do parto são comuns em qualquer atividade, mas não atenuam a chiadeira. “No início, é normal o estranhamento”, diz Diego Vieira, chefe de Esportes da WarnerMedia Brasil, que administra a HBO Max, detentora dos direitos de transmissão do Paulistão e da Champions League. “Num cenário efervescente, no qual existem cada vez mais players qualificados, faz sentido que o detentor do torneio busque os meios de torná-lo cada vez mais desejado e amplie o leque de possibilidades.” A concorrência é boa. Por ora, contudo, as transmissões têm sido uma bola fora.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777