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Nicholas Santos, 37 anos: “ainda posso bater o recorde mundial”

Em entrevista exclusiva a VEJA, o medalhista mais velho em um Mundial de Natação não pensa em aposentadoria e quer continuar fazendo história nas piscinas

Por Alexandre Senechal Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jul 2017, 19h25 - Publicado em 27 jul 2017, 17h48
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  • O Mundial de Natação de Kazan, na Rússia, em 2015. Na ocasião, o paulista Nicholas Santos, aos 35 anos, era um atleta com duas participações olímpicas e estava em seu quinto evento de piscina longa. Suas conquistas anteriores até então aconteceram em disputas menos chamativas, como o Mundial de Piscina Curta, o Pan e a Universíade. Parecia que o nadador de Ribeirão Preto encerraria sua carreira sem deixar sua marca nos grandes palcos.

    Só parecia. Nicholas nadou aquela prova dos 50 metros borboleta em 23 segundos e 9 centésimos, conquistou a prata e, de quebra, tornou-se o nadador mais velho da história a conquistar uma medalha em Mundiais. Infelizmente, essa prova não é olímpica – somente os 50 metros nado livre entram no programa dos Jogos – e o ribeirão-pretano não se classificou para a Rio-2016 nos 100 metros borboleta. A ausência no evento do ano passado quase ocasionou a aposentadoria de Nicholas, que foi convencido a ficar pelo presidente de seu clube, a Unisanta. 

    De volta ao Mundial de Piscina Longa, na última segunda-feira, em Budapeste, na Hungria, Nicholas Santos repetiu a prata na prova que o consagrou dois anos antes e revelou que tem um objetivo alto antes de parar: quebrar o recorde mundial dos 50 metros borboleta (22 segundos e 43 centésimos), que pertence ao espanhol Rafael Muñoz. A marca foi conquistada em 2009, na época dos supertrajes – maiôs especiais que ajudavam os atletas a nadar mais rápido por repelir a água e comprimir os músculos.

    No Troféu Maria Lenk, em maio deste ano, a maior prova de que Nicholas Santos pode superar o recorde antes de se aposentar: o brasileiro fez a marca de 22 segundos e 61 centésimos, melhor tempo da história se desconsiderar o período em que os trajes de poliuretano foram utilizados, entre 2008 e 2009.

    Em entrevista a VEJA, Nicholas explica o motivo do sucesso tardio, não reconhece o momento atual como seu auge e confessa que não pensa nos Jogos de Tóquio-2020. Acompanhe a entrevista:

    O que você tem que fazer para se manter em alto nível? É um pouco diferente dos atletas mais novos. A alimentação é controlada e o comprometimento no dia a dia tem que ser muito grande. Não consigo fazer um treinamento com um nadador de 20 e poucos anos, é um trabalho individualizado. A gente trabalha muito ritmo de prova, técnica e a musculação é muito pesada, porque o treino é pesado. Não descanso tanto quanto os mais novos. Com 37 anos, se repouso muito, começo a perder massa muscular. Isso a gente vai aprendendo e identificando ao longo dos anos.

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    Nicholas Santos é prata nos 50m borboleta no Mundial de Esportes Aquáticos de Budapeste, na Hungria - 24/07/2017
    O paulista Nicholas Santos é prata nos 50m borboleta no Mundial de Esportes Aquáticos de Budapeste, na Hungria (Al Bello/Getty Images)

    O que você fez para chegar mais uma vez tão bem nos 50 metros borboleta, mesmo aos 37 anos? Foquei só nesta prova, mudei um pouco o estilo, prestando muita atenção na parte técnica e com uma evolução grande também na preparação física, em relação a musculação. E isso reverteu em resultado. Na parte mental, tenho utilizado o mindfulness, que é um trabalho de respiração, concentração, atenção plena e para vivenciar o presente. Muitos atletas ficam naquela ansiedade e eu consigo viver o agora, sem prever as coisas. No Mundial de 2003 em Barcelona, tinha o primeiro tempo do mundo e queria bater o recorde mundial. Só que na hora de nadar, nem sabia o que estava fazendo. Hoje, com 37 anos, estou no plus assim, eu diria, na natação. Todo mundo fala que sou um cara que deveria ser estudado. Totalmente fora do padrão da natação do mundo. É isso que me ajuda e me mantém tranquilo.

    Você acha que está no auge hoje? Não consigo te responder (risos). Depois da ressaca da Olimpíada, os clubes não estavam investindo mais, os patrocinadores sumiram, tivemos esses problemas da CBDA e quase parei de nadar mesmo. Aí tive uma conversa com o Marcelo Teixeira, ex-presidente do Santos, que é o dono da Universidade Santa Cecília (Unisanta), que é o clube que represento, e ele decidiu apostar mais dois anos em mim. De repente, se não fosse ele, eu teria parado já. Pensando nos próximos dois anos, acredito que tenho condições de bater o recorde mundial nessa prova dos 50 metros borboleta.

    Quais as vantagens e desvantagens dos atletas mais veteranos para os jovens neste tipo de disputa? A maior dificuldade é no dia a dia. Um atleta mais novo não sente tanto a rotina. Em contrapartida, ganho em experiência. Às vezes, o nadador não tem noção da dimensão que é disputar um Mundial. Tem atleta que chega nesse momento e não segura a pressão. A experiência que tenho me ajuda a entrar em uma competição dessa bem mais tranquilo.

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    Quais as diferenças do seu corpo dos primeiros anos de carreira para agora? Meu corpo é um reloginho. Há anos que se mantém sempre igual. O meu peso, percentual de gordura, esses exames que a gente faz de três em três meses, mostram que eu estou num nível até fora do padrão para a idade. Mas por conta da alimentação, por me cuidar pra caramba. No dia a dia, o que mais sinto mesmo é na recuperação. Não dá pra escorregar, com a idade que tenho, e competir com o cara de 20 anos. Senão começa a ficar difícil pro meu lado.

    Nas Olimpíadas, Anthony Ervin (35 anos nos Jogos) e Michael Phelps (31 anos nos Jogos), atletas mais experientes, alcançaram grandes resultados. Por que os “velhinhos” estão conseguindo tantos bons resultados na natação mundial? A gente acaba conhecendo demais o nosso corpo, sabe o que tem que fazer e nosso limite. O Phelps é um caso à parte, mas o Ervin foi campeão olímpico depois de 8 anos. O cara tinha parado, teve problema com drogas, alguma coisa assim, e voltou para ganhar. Ele é muito fera. Naquele momento, não tenho dúvida de que ele estava super confiante e ganhou a prova na experiência, porque o tempo não foi excelente. Mas ele fez na hora certa. Bateu na frente, foi campeão. Você vê como a experiência faz diferença quando o atleta é inteligente. Vejo que existe diferentes tipos de atletas. Tem cara perfeccionista, inteligente, que pensa na coisa certa, e tem cara que é avoado, fica boiando. E isso faz a diferença no resultado final.

    O Cielo passou por uma situação semelhante a sua (se frustrou ao não conseguir a vaga olímpica, mas decidiu voltar a nadar). Vocês conversaram sobre aposentadoria? Na verdade, não. A única coisa que aconteceu na seletiva, que ele não tinha classificado pra Olimpíada e eu também não, foi que mandei uma mensagem no celular dele. Não lembro exatamente o que escrevi, mas falei pra ele descansar, aproveitar a família, que estava tudo bem e ele continuava sendo um dos melhores nadadores do Brasil. Depois não falei mais com ele. O que aconteceu é que ele deu essa pausa de sete, oito meses e isso acho que serviu para refrescar a cabeça e pensar se queria continuar nadando. O Cesar ficou oito anos ganhando as provas sem parar, então em uma prova em que não se classificou, as pessoas já pensavam que ele já era, estava derrotado, velho. E é isso que a gente acaba ouvindo de fora. Até pela imprensa. É uma coisa que hoje não me preocupo mais. Fico me desafiando o tempo todo e estou feliz com o que estou fazendo.

    Nicholas Santos
    Nicholas Santos (a dir.) cumprimenta o inglês Benjamin Proud, vencedor da prova de 50m borboleta no Mundial de Esportes Aquáticos, em Budapeste (Al Bello/Getty Images)
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    Qual é o papel de liderança que você procura ter em relação aos nadadores mais jovens? Tento conversar com os mais novos, dar apoio, passar minha experiência para as situações de pressão e também dou alguns toques técnicos sobre o que vejo. De certa forma, tento ser o paizão da nova geração. Uma hora, vou parar. Então tenho que deixar um legado pras próximas gerações. Não tenho que guardar conhecimento, tenho que passa-lo para que o esporte brasileiro se desenvolva, evolua, e apareçam outros nadadores olímpicos e medalhistas.

    Você afirmou que quer seguir competindo e ganhando provas até, pelo menos, o ano que vem (Mundial de piscina curta acontece em 2018). Ainda não pensa na Olimpíada ou prefere estabelecer pequenas metas? Não penso em Olimpíada agora. O que tem graça pra mim hoje, na minha carreira, não é só continuar nadando. Me cobro para superar meus próprios resultados. Como fico bem ranqueado, entre primeiro e segundo do mundo, sempre tento evoluir e bater as minhas próprias marcas. As pessoas sempre me perguntam até onde vou, se vou até os 40 anos, e eu falo que me sinto bem, estou feliz, gosto de nadar rápido e é isso que me motiva a continuar. Se tivesse nadando mal, já teria parado. Não teria motivação.

    Você não pensa em Tóquio-2020 agora apenas por causa da idade? Nunca pensei em parar só porque estou com 37 anos. Olhando os meus rivais, digo que sou um “coroa do shape” (risos). Quem treina comigo sabe que sou bem pedreiro: malho forte, treino pesado, nado pesado. Conheço muito meu corpo e isso me ajuda a não extrapolar, ou fazer um treino de força muito intenso. Com relação a ir a Tóquio ou não, sinceramente não consigo te responder. Pras próximas competições, vou treinar os 100 metros borboleta (prova olímpica, ao contrário dos 50 metros borboleta). Então depende de como eu nadar. Tenho total condição de participar dos Jogos, mesmo sendo só em 2020.

    As duas pratas foram no 50m borboleta, que é uma prova não-Olímpica. Isso prejudica para o projeto Tóquio-2020? Atrapalha um pouco sim, na forma de nadar, na respiração, e até no treinamento. Mas tudo é uma questão de estar afim e apostar. Não tenho nada a perder. Posso parar em 2020, como posso parar daqui dois anos. Com relação a não ser uma prova olímpica, o que é ruim é em relação a investimento. Hoje, o que eu tenho de investimento é do meu clube e do meu patrocinador, a Speedo. De qualquer forma, não pararia de nadar essa prova por conta disso.

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    Como você vê a situação da natação brasileira hoje? De todas as seleções que eu já participei, essa foi bem diferente. Temos poucos nadadores, mas vejo que todos estão super comprometidos em buscar medalhas, em tentar fazer o melhor Mundial da vida. Já essa nova gestão da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) trouxe o renascimento da natação brasileira. A princípio, nem eu e nem o revezamento 4×100 iria para o Mundial. E ambos ganhamos a medalha de prata. Isso foi uma grande conquista e as coisas têm acontecido de forma muito positiva com essas novas ideias. Acho que as próximas gerações vão tirar mais proveito disso.

    Era preciso uma renovação na liderança do esporte? Acredito que sim. Estávamos um pouco parados no tempo. As coisas iam acontecendo não dá forma que era melhor para o atleta. Agora os atletas opinam, existe transparência. Vai ser muito melhor para a natação brasileira.

    Quando deixar de competir, o que você pretende fazer? Vai continuar no universo das piscinas? Tenho perfil para trabalhar na área de gestão esportiva. Fiz faculdade de fisioterapia e MBA em gestão empresarial. Não me vejo como treinador de natação, mas na área de gestão, seja gerenciando uma clínica de fisioterapia, ou até na parte de gestão da natação, que é algo que vivenciei bastante no esporte e tenho bastante para passar.

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