Vinte e nove metros e 68 centímetros. Segundo cálculos feitos por um especialista, esse foi o tamanho da onda que surfei na famosa Praia de Nazaré, em Portugal, em fevereiro. É um prédio de dez andares! A marca ainda precisa ser homologada como recorde mundial, que por ora pertence a meu ídolo, o paulista Rodrigo Koxa, que surfou 24,38 metros, também no famoso canhão lusitano. Minha jornada até o chamado “Everest do surfe” foi longa.
Sou de Florianópolis, tenho 32 anos e surfo desde os 3. Sempre gostei de ondas grandes, de descer a ladeira. Na infância, me dividia entre as praias da Joaquina, na capital, e da Vila, em Imbituba. Também pratiquei o salvamento aquático, que me ensinou a lidar com imprevistos no mar. Venho de uma família de surfistas, mas meus pais sempre insistiram para que eu estudasse. Por isso cursei engenharia agrônoma na Federal de Santa Catarina e achava que o surfe seria apenas um hobby.
Aos 25 anos, com a economia no Brasil em alta, dei uma pausa nos estudos, juntei uns trocados e viajei para viver o sonho havaiano. É lá que estão as ondas perfeitas. Pude me desenvolver tanto no tubo quanto nas ondas maiores. Me inspirei nos chamados mad dogs, os brasileiros que desbravaram as ondas de Jaws, tidas como as maiores do planeta antes da descoberta de Nazaré. Trabalhei num food truck de comida tailandesa, que servia lendas como Kelly Slater, John John Florence. Eles sempre me trataram com muito carinho, aquele era o meu mundo.
Entre um bico e outro, um país e outro (dei até aula de surfe no Japão), e com a ajuda de amigos que realizavam vaquinhas, pude participar de campeonatos e ganhar experiência. Juntei uma grana e me mandei para Nazaré, me sentia preparado. Lá, a dificuldade é que nem sempre a onda quebra no mesmo lugar, não existe um canal, uma zona segura. É preciso muita presença de espírito, estar com os sentidos em dia. Quando a energia da onda encontra a bancada, quebram as famosas pirâmides de Nazaré. É boa de pegar e boa de assistir. A água é muito gelada, e a entrada e a saída do mar são muito violentas e propícias a acidentes.
Surfar sem moto aquática em Nazaré é quase impossível, mas foi o que fiz durante meus três primeiros anos sem patrocinador. Vinha literalmente remando da praia. Perdi as contas de quantas vezes me machuquei. Uma vez, a onda quebrou na minha cabeça, me prendi em minha roupa de borracha e fiquei sufocado. Quando consegui sair, vi minha prancha quebrada ao meio, estava à deriva. Outra vez, a prancha voou em direção à minha cabeça, levei 27 pontos. E da última, cai já torcendo o joelho e tomei mais uns quatro caldos até ser resgatado. O maior susto até hoje foi na Califórnia, quando uma moto aquática me salvou de um tubarão enorme. Existe toda uma comunidade do surfe preparada para acidentes, com ambulância, guarda-vidas, drones, uma porção de coisas que não existem no surfe convencional. É por isso que Nazaré é considerada não só o Everest do surfe, mas também a sua Fórmula 1.
Muita gente deve pensar que sou maluco. Nada disso! Surfo porque amo vida, não o contrário, quero aproveitar o momento. Quando estou na água, me entrego completamente, vivencio o aqui e o agora. É como uma meditação: me sinto muito conectado com a natureza. É claro que tenho medo, mas toda vez que volto para casa em segurança o temor se transforma em uma gratidão enorme.
Agora com um patrocínio, quero poder explorar ondas ainda melhores. Mais até do que o recorde, minha grande meta é ser novamente indicado ao Big Wave Awards, o Oscar das ondas gigantes. Seja como for, já me considero abençoado de poder desfrutar a beleza do oceano.
Vinicius dos Santos em depoimento dado a Luiz Felipe Castro
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783