Goste-se ou não de futsal, não há como ficar indiferente ao talento de Falcão, o gênio que revolucionou a modalidade com sua ousadia e qualidade técnica ao longo de mais de duas décadas em quadra. Aos 40 anos, o ídolo mundial segue marcando gols decisivos, mas já concilia a vida de atleta com a de cartola. Em 2014, o ala montou um time em Sorocaba e rapidamente transformou a cidade do interior paulista em uma espécie de capital do futsal no mundo na atualidade.
Falcão garante: seu faro para negócios é hoje tão afiado quanto sua perna esquerda. Plenamente satisfeito com o projeto do “time do Falcão” em Sorocaba, o camisa 12 também batalha por melhorias na Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS) – liderou os protestos que denunciaram a falta de estrutura e casos de corrupção na seleção e atualmente é uma espécie de embaixador da nova gestão. E ainda arranja tempo para lucrar com a imagem de gênio da bola que construiu, em eventos ao redor do mundo. Falcão não tem dúvidas: o futsal, uma das modalidades mais praticadas do país, não soube se vender da maneira correta. Mas tem grande potencial, mesmo depois que seu maior expoente decidir parar de jogar – o que não deve demorar muito para acontecer.
Como surgiu essa ideia de montar um time para atuar como atleta e gestor? E por que Sorocaba? Sou de São Paulo, capital, e há alguns anos decidi que moraria em Sorocaba. Tinha uma casa de campo aqui, vinha de vez em quando, gostei da cidade. A partir de 2011, comecei a planejar ter um time, morar e jogar na mesma cidade, algo que dificilmente acontece. Em 2013, a arena estava sendo construída e achei que era o momento de buscar um parceiro. Fiz uma campanha publicitária para uma marca de bebidas, apresentei o projeto, com números e levantamentos, e assim o time nasceu. Foi uma ideia totalmente minha e que se tornou um sucesso na cidade e em todo o Brasil.
O time está com quase quatro anos e já conquistou muitos títulos. Sua meta é se consolidar em Sorocaba por muitos anos? A ideia é essa. O futsal ainda não se vende tão bem, mas tem um potencial muito grande: ginásios lotados, uma liga competitiva, boa audiência, grandes jogos. É um esporte relativamente barato e dá um retorno grande. Queremos que o futsal de Sorocaba fique marcado como aconteceu com o basquete, na época da Hortência, e se equipare às cidades tradicionais do futsal, como Jaraguá do Sul (SC) e Carlos Barbosa (RS).
Você diz que seguirá jogando. O projeto corre riscos depois de sua aposentadoria? Não, porque renovamos por cinco anos com a Magnus, então independentemente de eu parar a equipe vai continuar. Quero que o projeto se perpetue e quando me aposentar vou trabalhar como gestor, algo que já faço de certa forma. Com uma arena dessas, boa aceitação do público e da mídia, tenho certeza que o projeto pode durar muitos anos.
Atrair patrocinadores está entre suas várias funções no clube. Seu papel é semelhante ao de Ronaldo Fenômeno durante a passagem pelo Corinthians? É diferente, porque o Ronaldo chegou num clube que já era grande, ele saiu e o clube continuou grande. Aqui o time começou comigo e se um dia me desligar acaba tudo. Meu papel fora de quadra é ser parceiro dos patrocinadores, compareço a eventos por todo o país, e faço isso com o maior prazer porque é o que dá o retorno a quem nos apoia. Independentemente de ser ou não campeão, tenho certeza que a empresa está feliz com o retorno de marketing e de mídia, mas hoje posso dizer que o negócio é totalmente dependente de mim. E isso não é um problema, tenho 40 anos, logo logo devo parar de jogar e quero que o projeto se perpetue.
Você tem feito eventos ao redor do mundo. Como consegue conciliar os compromissos pessoais com os do time? Na verdade só consigo fazer 10% da demanda. Eu digo sempre que se eu parasse de jogar hoje seria muito melhor, todo ano eu jogo “um caminhão de dinheiro” fora porque tenho compromissos com o Sorocaba e não posso comparecer a vários eventos no exterior. Viajo mais no primeiro semestre, quando os torneios não estão em fases decisivas. E no segundo semestre abro mão da parte financeira para focar no time. É gratificante fazer esses eventos fora do país. Esse ano já estive na Índia, Líbano, Itália, Estados Unidos, Dubai, Peru e outros. É bom demais receber esse carinho.
As demonstrações de afeto dos torcedores ainda surpreendem? Demais, porque nós não conseguimos perceber o quanto a internet nos aproxima do mundo inteiro. Meus vídeos estão entre os mais vistos de futebol, ganhei muitos fãs no Irã depois de os jogadores deles terem me jogado para cima no Mundial do ano passado. E são coisas que não temos noção, a aceitação é tão grande que me deixa muito orgulhoso.
Até mesmo o Cristiano Ronaldo já te ‘tietou… Isso é muito legal. Porque vemos sempre esse tipo de reconhecimentos a ídolos como Messi e Cristiano Ronaldo, mas eles têm 50 câmeras em volta em todos os jogos. Eu não tenho, mas também recebo muito carinho, sempre tem algum garoto que me vê e chora, se emociona… Além do Cristiano Ronaldo pedir foto, recentemente teve outra muito legal, na Bola de Ouro da Fifa, em que estava o Maradona. Claro, eu queria muito uma foto com ele, fiquei rodeando, tímido. E aí o filho do Batistuta me reconheceu, comentou na rodinha dos argentinos. Para minha surpresa, o Maradona veio e começou a beijar minha mão e me disse: obrigado, você faz muita gente feliz! Depois vieram Sergio Ramos, Modric… O Drogba me mandou mensagem, o James Rodríguez pediu meu WhatsApp para dizer que é fã. Esse reconhecimento me surpreende e me deixa muito orgulhoso.
Durante seu auge, as redes sociais mal existiam e muitos lances do seu início de carreira sequer foram televisionados. Se estivesse iniciando a carreira agora, seria ainda mais rico e famoso? Não tenha dúvidas. Hoje com as redes sociais, todos os jogadores editam seus vídeos e postam. Se eu tivesse Instagram na minha melhor fase acho que eu teria uns 20 milhões de seguidores (tem 3 milhões atualmente), porque cada jogo eram 40 minutos no mesmo nível, de vários gols, dribles, velocidade, habilidade… Hoje se eu faço edição de um jogo meu dá um minuto no máximo (risos). É uma pena que a mídia social tenha chegado forte no fim da minha carreira.
E de onde surgiu esse seu faro para os negócios? Aprendi tudo sozinho. O fato de nunca ter tido empresário me ajudou bastante, sempre tive de discutir meus contratos. Posso sentar com qualquer empresário e mostrar o que estou pedindo e o retorno que posso dar. Tento sempre ser parceiro das marcas. Não é fácil montar um projeto, não é simplesmente somar os salários, tem viagens, custos de jogos, moradia, alimentação. Em Jaraguá eu já tinha certa liberdade para ajudar na formação do time. No Santos já foi uma gestão minha, que infelizmente acabou de forma inexplicável. Em Orlândia também já tinha um contato direto na gestão. Nunca me formei, mas pode ter certeza que alguém com dez faculdades não tem o conhecimento que tenho sobre como montar um time de futsal.
Qual projeto é mais benéfico para o futsal, o de cidades de interior, como Sorocaba, ou dos clubes tradicionais de futebol, como Corinthians? Os projetos nas cidades são mais duradouros. Sorocaba é grande, tem mais de 600.000 habitantes, mas, por exemplo, Jaraguá do Sul tem 150.000; Carlos Barbosa 40.000; Orlândia 40.000 – a cidade toda se envolve e o futsal vira a atração. Por isso, em duração e aceitação de projeto, funciona melhor no interior. O Corinthians é um caso à parte, porque sua torcida é fantástica e eles abraçaram o projeto desde o início. Mas esses clubes tradicionais de futebol só vão levar torcida ao futsal, vôlei e basquete se o time for muito bom, se for mais ou menos ninguém vai assistir. Mas sem dúvidas faltam mais times de futebol no futsal, porque traria mais mídia, repercussão e público.
Muita gente considera o futsal um esporte atrativo para praticar, mas não para assistir? Acha que faltam “Falcões” para tornar o jogo mais agradável? Sim, essa foi a grande diferença da minha carreira. Todos os dias, em aeroportos, escuto gente me dizendo que se interessou por futsal por minha causa. No geral, a parte tática acaba deixando o esporte chato em alguns momentos, muitos treinadores jogam para empatar em 0 a 0 e poucos jogadores tentam uma jogada diferente, uma lambreta, chapéu, essas coisas que eu tentava todo jogo. Isso realmente acaba afastando um pouco o público, mas tomara que os treinadores possam ser mais agressivos e os jogadores mais habilidosos. Porque quando um torcedor vai a um ginásio e assiste a um bom jogo de futsal, ele não deixa mais de ir, porque é um esporte imprevisível e apaixonante.
Você se acostumou a dar dribles lindos e humilhantes nos adversários. Nunca temeu violência? Sou nascido na periferia de São Paulo. Com 14 anos eu já jogava nas favelas contra o time da casa e já fazia tudo isso. Por que deixaria de fazer em um ginásio bonito, com juiz, televisão? Nunca me intimidei, se alguém dizia que ia quebrar minha perna, aí queria driblar mais e mais. E os adversários passaram a me respeitar desde muito cedo, porque com 20 anos já fazia essas jogadas e traduzia em gols e títulos. Consegui mostrar que esse é meu estilo. Poucas vezes isso causou confusão.