“Eu preciso de liberdade, estou sempre criando alguma coisa. Um dia, talvez, se eu tiver saúde, ainda vou ser médico na praça”
O ex-jogador Sócrates, um dos grandes craques da década de 1980 e um dos atletas mais influentes da história do esporte brasileiro, morreu às 4h30 da manhã deste domingo, em São Paulo. Ele tinha 57 anos. O ídolo estava internado desde a última quinta-feira em razão de uma infecção intestinal. Ele havia apresentado uma leve melhora na noite de sábado na UTI do Hospital Albert Einstein. O ex-atleta estava sedado e respirava por aparelhos. Os rins de Sócrates passaram por um processo de diálise para ajudar a filtrar as impurezas do sangue ─ apesar disso, os rins não estariam prejudicados.Segundo nota divulgada pelo hospital, Sócrates Brasileiro Sampaio de Sousa Vieira de Oliveira faleceu em consequência de um choque séptico. Ele será enterrado neste domingo, às 17 horas, no cemitério Bom Pastor, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
Meio-campista extremamente inteligente, inventivo e habilidoso, foi ídolo do Corinthians e capitão da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982, apesar de reconhecer que jamais cultivou os hábitos necessários para o desempenho ideal de um atleta de ponta. Caso raro de esportista que conciliou a carreira com uma formação universitária, e mais raro ainda por ter concluído o curso de Medicina, Sócrates admitia o vício em tabaco e álcool, substâncias que desencadearam uma série de complicações de saúde nos últimos meses. Antes de ser levado ao Hospital Albert Einstein pela última vez – foi internado já em estado grave na UTI, com quadro de choque séptico de origem intestinal – ele já havia sido internado em duas ocasiões. No total, tinha perdido 30 quilos por causa dos problemas ligados aos efeitos de seu consumo excessivo de bebidas.
O craque lutava contra sangramentos no estômago em virtude de uma hipertensão portal. A internação anterior no Hospital Albert Einstein aconteceu em setembro, quando ele já havia sido diagnosticado como paciente sob risco de vida. Ele já tinha escapado de outro quadro gravíssimo em agosto – internado no dia 20, passou uma semana sob cuidados médicos. Um dia depois de deixar o hospital, admitiu que foi dependente de álcool, mas garantiu ter largado o vício. O ex-jogador também revelou ter um ponto de cirrose no fígado, que requeria sérios cuidados. Sócrates não descartava um transplante, mas não queria furar a fila de espera. Até ser internado, era comentarista esportivo da TV Cultura e também escrevia artigos e colunas para jornais e revistas. Ao escrever ou comentar futebol, mostrava duas das principais marcas de sua personalidade: a capacidade intelectual e o engajamento ideológico. Simpatizante de partidos de esquerda, comandou o movimento da Democracia Corintiana e participou dos comícios das Diretas Já, no início dos anos 1980. Além de brilhar pelo Corinthians, Sócrates também jogou no Botafogo de Ribeirão Preto, Flamengo e Santos.
Além de se destacar como um dos líderes da inesquecível seleção brasileira da Copa de 1982, participou também do Mundial de 1986. Tanto na Espanha como no México, a seleção foi comandada por Telê Santana – que tinha em Sócrates uma figura de confiança e liderança em campo – e, apesar de brilhar, amargou apenas a quinta colocação. A essa altura da carreira, Sócrates já era o “Doutor” – apelido que fazia referência à formação em Medicina, que cursou enquanto começava a carreira no futebol. (“Magrão” foi outro apelido famoso, mais usado pelos colegas de equipe). O primeiro clube de Sócrates foi o Botafogo de Ribeirão Preto. Com excelentes atuações pela equipe do interior paulista, acertou sua transferência para o Corinthians, onde teve o melhor desempenho e conquistou as maiores glórias de uma carreira relativamente escasssa em títulos – foram três Campeonatos Paulistas, além de um Carioca pelo Flamengo. No centenário da Fifa, em 2004, foi incluído na lista dos 125 maiores jogadores da história. A estreia pela seleção brasileira aconteceu no final dos anos 1970. Apesar das partidas e lances memoráveis com a camisa amarela, encerrou seu ciclo na seleção com uma marca negativa – a de ter perdido um pênalti na eliminação do Brasil em 1986, contra a França.
Em 1984, foi jogar na Fiorentina, da Itália, mas não se adaptou ao Campeonato Italiano e ainda teve problemas com os colegas – suspeitava que outros jogadores manipulassem resultados, e por isso não conseguiu estabelecer a mesma liderança e influência que costumava exercer em cada equipe que defendia. Sua passagem pela Europa durou apenas uma temporada. Voltou ao Brasil em 1985, quando jogou pelo Flamengo. Em seguida, foi vestir a camisa do Santos, time para o qual torcia. Sua última agremiação foi também a primeira – o retorno ao Botafogo de Ribeirão Preto marcou a última fase da carreira, encerrada em 1989. Desde então, conciliava a função de comentarista com o trabalho como médico – profissão em que dizia se destacar por causa da capacidade de fazer diagnósticos precisos. Em entrevista concedida ao portal UOL depois de uma de suas internações neste ano, afirmou: “Sou um médico de telefone, um plantonista eterno. Eu só não estou com consultório. Eu preciso de liberdade, estou sempre criando alguma coisa. Um dia, talvez, se eu tiver saúde, ainda vou ser médico na praça. Se estiver aposentado das minhas guerras, farei isso. Vou ficar lá atendendo quem quiser”.