Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Ela joga nas onze: Megan Rapinoe faz história também contra o preconceito

A jogadora dos EUA dá as mãos, de algum modo, a figuras femininas que antes dela lutaram para ser ouvidas, como a tenista Billie Jean King

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h59 - Publicado em 28 jul 2023, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • É difícil tirar os olhos de Megan Rapinoe — os cabelos, invariavelmente coloridos, um dia azulados, prateados, em outros tingidos de amarelo, a postura altiva de quem comemora gols de braços abertos, como se agradecesse à distinta audiência, senhoras e senhores. Ao entrar em campo no segundo tempo da vitória dos Estados Unidos contra o Vietnã por 3 a 0, na primeira rodada da Copa do Mundo disputada na Austrália e Nova Zelândia, foi como se o tempo parasse para homenageá-la. Aos 38 anos, ela anunciou a aposentadoria, e logo pendurará as chuteiras. Há outras jogadoras melhores e mais jovens, como a americana Sophia Smith, de 22 anos, e a colombiana Linda Caicedo, de 18 — e há Marta, a rainha Marta, também em fim de carreira —, mas só Rapinoe leva no corpo e na alma a trajetória afeita a traduzir os humores do mundo em transformação. A atacante joga nas onze. No futuro, quando as civilizações buscarem entender como foi que o futebol feminino cresceu, a moça nascida na ensolarada Califórnia terá lugar de destaque.

    Pelos Estados Unidos, a camisa 15 foi campeã olímpica em 2012, nos Jogos de Londres; bicampeã mundial em 2015 e 2019, além de Bola de Ouro também em 2019. O melhor modo de entendê-la, contudo, é fora dos gramados. Não há briga de relevância que tenha escapado à Rapinoe, numa sucessão de movimentos contra o machismo, a homofobia, o racismo, o sexismo e as desigualdades de todo o tipo. “Trata-se de manter a cabeça erguida e dizer que você tem orgulho de ser quem é”, disse antes de vencer o torneio londrino que a pôs na ribalta ao revelar a homossexualidade, tema até então tratado com reserva, na defesa contra o preconceito e os ataques que viriam. E lá foi ela, vida afora, a seguir a frase que leva tatuada no bíceps do braço esquerdo, como luminosa por­ta-voz da comunidade LGBTQIA+: “a natureza seguiu seu curso”.

    Seguiu. Em 2016, quando o jogador de futebol americano Colin Kaeper­nick ficou de joelhos pela primeira vez, durante a execução do hino americano, em grita contra a violência de policiais brancos, na antessala do governo de Donald Trump, houve incômodo — Rapinoe intuiu que seria a coisa certa, e logo decidiu também se abaixar antes de cada jogo. A eleição de Trump a deixou ainda mais irrequieta e não demorou para que anunciasse, aos quatro ventos, que se recusaria a acompanhar a delegação dos Estados Unidos até Washington, caso o país levasse o título mundial em 2019, vitória que viria. “Não irei à m***a da Casa Branca. Não cantarei a p***a do hino. Não respeitarei um sujeito que não merece respeito”, disse.

    DESPEDIDA - Na estreia americana com a vitória por 3 a 0 diante do frágil Vietnã: o fim de carreira já anunciado
    DESPEDIDA - Na estreia americana com a vitória por 3 a 0 diante do frágil Vietnã: o fim de carreira já anunciado (Carmen Mandato/USSF/Getty Images)

    Nos anos da pandemia, de alguma calmaria esportiva, com estádios vazios e competições interrompidas, a mercurial Rapinoe parecia quieta em seu canto — só que não. Ela alimentava nos bastidores a pressão para que as autoridades americanas aprovassem um projeto de lei destinado a equiparar os salários das mulheres no futebol com os dos homens. E finalmente, em dezembro de 2022, deu-se a aprovação da lei equalitária (embora tê-la fora do papel sejam outros quinhentos). E é sempre bom lembrar: Rapinoe ganha algo em torno de 445 000 dólares por ano, o equivalente a pouco mais de 2 milhões de reais, como atleta do OL Reign. A título de comparação: o português Cristiano Ronaldo, também de 38 anos, veteraníssimo, recebe mais de 1 bilhão de reais por temporada para vestir a camisa do Al Nassr, da Arábia Saudita, a nova meca do esporte bretão.

    Continua após a publicidade

    Rapinoe tem noção de sua influência. “Ela se tornou um símbolo porque nunca se calou e aproveita a visibilidade para que algo seja feito”, diz Luiza Aguiar dos Anjos, pesquisadora do esporte dedicada a contradições de gênero e sexualidade. A lida atual da atleta é a defesa da população trans, em comentários sempre emocionados, um tom acima do banal. “É preciso dar um passo atrás e entender do que estamos falando. Estamos sujeitando crianças a um maior risco de suicídio, depressão, abuso de drogas e pouca saúde mental. Tudo na conta do ‘que Deus nos livre de ver uma pessoa trans se dar bem nos esportes’. Se liguem”, afirmou recentemente.

    Rapinoe, dos pés à cabeça, faz história — dá as mãos, de algum modo, a figuras femininas que antes dela lutaram para ser ouvidas, como a tenista Billie Jean King, a primeira a revelar as distorções de pagamentos entre elas e eles. Um bom conselho: não tirar os olhos de Megan Rapinoe.

    Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.