Desde o primeiro Mundial de futebol, em 1930, até a consagração como evento globalizado, na virada para o século XXI, erguer a Copa do Mundo era o que eternizava nomes como Pelé, Maradona, Beckenbauer e Zidane na história do esporte mais popular do planeta. Havia ainda uma seleta lista de craques que fizeram bonito mesmo sem conquistar o título, como Cruyff, Puskás e Leônidas da Silva. O mundo mudou e, claro, o futebol também. Hoje em dia, brilhar em campeonatos como La Liga, a Premier League e, sobretudo, a Liga dos Campeões da Europa já é suficiente para forjar astros internacionais. A Copa, porém, continua sendo a cereja do bolo, a consagração final, e a edição do Catar, que terá início em 21 de novembro com Holanda x Senegal, pode representar uma derradeira chance para os três maiores atletas da última década.
Tudo leva a crer que esta será a “Última Dança” — expressão que ganhou fama com a série da Netflix The Last Dance, que narra o fim do histórico Chicago Bulls de Michael Jordan — de Cristiano Ronaldo, Lionel Messi e Neymar. Apesar de ser o mais jovem do trio, com 30 anos, o brasileiro foi o único da turma a falar abertamente sobre a chance. “Encaro esta como a última Copa porque não sei se terei mais condições, de cabeça, de aguentar mais futebol”, afirmou no ano passado, em série da DAZN. Depois, voltou atrás e disse que “o futuro a Deus pertence”. Cristiano, o mais velho, de 37 anos, tem demonstrado incômodo com as frequentes perguntas sobre a despedida. “Quem vai decidir o meu futuro sou eu e mais ninguém. Se me apetecer jogar mais um Mundial, jogo. Quem manda sou eu, ponto-final”, cravou antes da classificação portuguesa na repescagem, diante da Macedônia do Norte. Messi, de 34 anos, sempre mudo, radiante depois de ter conquistado seu primeiro troféu pela seleção, a Copa América de 2021 no Maracanã, tem evitado o tema.
O português e o argentino, que rivalizaram pelos prêmios de melhor do mundo na última década (sem dar nenhuma chance a Neymar), alcançarão uma marca expressiva em Doha: igualarão os mexicanos Antonio Carbajal e Rafa Márquez, o alemão Lothar Matthäus e o italiano Gianluigi Buffon como únicos a participar de cinco Copas. Uma sexta aventura na edição de 2026, que será sediada por Estados Unidos, Canadá e México, poderia, portanto, representar mais um recorde para a coleção da dupla. A tendência, porém, é que esta seja mesmo a derradeira chance de erguer o troféu que lhes falta.
Para tristeza dos fãs do jogo bonito, Cristiano, Messi e Neymar apresentam um natural declínio físico e técnico. Os três foram eliminados precocemente na Liga dos Campeões. Maior artilheiro da história em jogos oficiais, com 807 tentos, CR7 tem “apenas” dezoito gols em 33 jogos na atual temporada, na qual retornou ao Manchester United. Messi, que em 2012 bateu o recorde de 91 gols em um mesmo ano, fez míseros oito em 27 jogos pelo seu novo clube, o PSG. O parceiro Neymar tem sete bolas na rede em 22 partidas e há anos convive com constantes problemas físicos, além das confusões extracampo.
A boa notícia para Tite é que a seleção brasileira, que terminou as Eliminatórias invicta e com recorde de pontos, parece cada vez menos dependente de sua cambaleante estrela. O surgimento de velozes atacantes como Antony, Raphinha e Vinicius Junior deu novo fôlego ao time. “Teoricamente, nosso fora de série é o Neymar, mas quem disse que outros não podem fazer a diferença?”, questionou o técnico gaúcho a VEJA depois do sorteio dos grupos em Doha que colocou Suíça, Sérvia e Camarões na chave do Brasil. “Tanto os meninos da geração olímpica quanto os mais experientes, como Alisson, Thiago Silva ou Daniel Alves, podem ser decisivos.” A atual campeã, França, aparece como a favorita e ainda tem craques de que se orgulhar, como Kylian Mbappé e Karim Benzema. Brasil, Argentina e Portugal, porém, também são fortes candidatos. Eis a oportunidade de adeus glorioso para Cristiano, Messi e, sobretudo, Neymar.
Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784