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A mais espetacular competição da Olimpíada

O torneio de esgrima no Grand Palais é uma homenagem à arquitetura e a história do esporte na França

Por Fábio Altman, de Paris
Atualizado em 31 jul 2024, 20h09 - Publicado em 31 jul 2024, 11h37
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  • O frontão do Grand Palais anuncia com empáfia para o que ele veio ao mundo: “Monumento consagrado pela República à glória da arte francesa”. Construído entre 1897 e 1900 para a Exposição Universal de Paris, é um típico exemplo do estilo beaux arts, uma das escolas em vigor durante a Belle Époque. Tem mais ferro do que a Torre Eiffel. A cobertura de vidro é um dos derradeiros acenos da arquitetura ao período anterior à eletricidade – a transparência do teto faz entrar luz natural.

    É noite em Paris. A escuridão demora a beijar a imensa construção, mas ela vem. Há arquibancadas dos dois lados da pista de esgrima. As luzes se apagam. Como numa ópera, os jogadores das semifinais e finais despontam no balcão, cumprimentam a plateia e descem a escadaria. O ritual é majestoso. Não há, na Olimpíada de Paris décor mais espetacular, o perfeito casamento de arquitetura e esporte. Perto dele, o vôlei de praia atrás do colosso de Gustave Eiffel é um grão de areia.  Ao vivo, o Grand Palais adaptado é de cair o queixo (afora o ar condicionado a toda, oásis para o calorão canicular). Pela televisão, mais ainda. “O cenário e os ângulos dão à competição ar inigualável”, diz Maria Júlia Herklotz, esgrimista brasileira que participou dos Jogos de Atenas, em 2004, e hoje é respeitada arquiteta – daí o gosto pelo ambiente a cercar o torneio. “O roteiro imaginado pelos organizadores, do ponto de vista da transmissão, é maluco”, ecoa o comentarista de televisão Nathanael de Rincquesen.

    The Three Musketeers' (French: Les Trois Mousquetaires), 19th century. Alexandre Dumas. Private collection. (Photo by: Photo12/Pierre Pitrou/Universal Images Group via Getty Images)
    Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas: imaginário coletivo (Pierre Pitrou/Getty Images)

    O tratamento refinado à esgrima bebe dos resultados esportivos e da civilização francesa. A esgrima é, de longe, a mais vencedora modalidade olímpica da França – eram 42 de ouro, 41 de prata e 35 de bronze até o início do atual torneio. Os torcedores vibram como em um estádio de futebol, entoam a Marselhesa e, acima de tudo, anteveem os movimentos. Puxam a respiração quando os juízes dão os comandos – em français, bien sûr, como manda a tradição desde o século XVII. E então, en garde… êtes-vous prêts? Allez!

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    Preparado para entender um pouquinho da relevância do sabre, espada e florete na Gália de Astérix? Vamos. Os espadachins ocupam o imaginário popular desde sempre – ganharam o mundo com o clássico Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, de 1844, e um por todos e todos por um. A Escola Francesa de Esgrima, instituição de letras capitulares, nasceu em 1567, ano em que o rei Charles IX decidiu organizar a bagunça e, ainda que informalmente, organizar disputas. Até meados do século XX, todo bairro tinha uma academia – uma salle des armes. Perderam espaço para os grandes ginásios, mas há ainda joias escondidas. No coração do Quartier Latin, quase debruçado sobre o Sena, em uma rua minúscula, a Salle Coudurier é uma fenda temporal. Fechou as portas em 24 de julho, temporariamente, por questão de segurança, por ficar dentro do cinturão de alta segurança da cerimônia de abertura da Olimpíada. A porta estreita e a tímida placa no número 6 da rua Gît-le-Couer não pressupõem representar a entrada para um mundo que já não existe, como em um portão mágico de Harry Potter – mas cujos ecos podem ser ouvidos ainda agora e que o Grand Palais de 2024 homenageia.

    FRANCE - MAY 02: Duel Between Gaston Defferre And The Deputy Ribiere In 1967. (Photo by Keystone-France/Gamma-Keystone via Getty Images)
    Gaston Deferre e René Ribière: duelo de parlamentares com espadas em 1967 (Keystone-France/Getty Images)

    A esgrima, reafirme-se, tem passado tão pesado que não há como encostá-la no muro do que já foi. Daí o processo de renovação permanente – especialmente no modo pelo qual é apresentado ao público. Entre o Segundo Império e a Terceira República, de 1852 a 1940, viveu a era de ouro. Foi período em que os insultos eram resolvidos em duelos, com espada em mãos, diante de testemunhas. Ressalve-se que, dada a força da tradição, o costume veio dar até muito recentemente. Em 1967 – 1967, outro dia mesmo! – o prefeito de Marselha, Gaston Deferre, de centro-esquerda, e o deputado gaullista René Ribière, de centro-direita, foram resolver suas diferenças em guarda no fundo de uma casa em Neuilly-sur-Seine. Tinham trocado injúrias. Foram três assaltos de espada. A polícia fingiu não ver, mas os jornalistas estavam lá. Ribière sofreu dois ferimentos, depois de uma dupla estocada, antes de o juiz, um outro parlamentar, dar a disputa por encerrada. Depois, nunca mais – e a esgrima deixou as ruas para viver ali onde faz a festa francesa, em ginásios, quase todos banais, se comparados à grandiosidade estética do Grand Palais. Touché.

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