O texto a seguir faz parte da edição especial de VEJA em torno dos 200 anos da independência. A ideia é tratar as notícias como seriam publicadas naquela semana de 7 de setembro de 1822 – tudo o que viria a ocorrer depois, portanto, ainda não aconteceu. É um passeio histórico ao cotidiano de dois séculos atrás.
A breve vida do poeta inglês Percy Bysshe Shelley daria uma peça de teatro. A começar por sua trágica morte, em 8 de julho, aos 29 anos, no Golfo de Spezia, no Mar da Ligúria, na Itália. O barco em que ele estava com dois amigos afundou, e os corpos foram encontrados apenas dez dias depois. No bolso do paletó de Shelley havia uma edição de textos de Sófocles e um volume com as poesias de John Keats, de quem foi amigo. Romântico até o último fio de cabelo, deixou uma obra inacabada, de título que soa irônico: O Triunfo da Vida. Mas o livro que circula de mão em mão, de boca em boca, é a antologia de poemas Prometeu Desacorrentado. “Tenhas pena dos desamados servos do céu, e não de mim, que à mente entrono a paz, qual luz no sol: é vão falar! Chama os demônios”, escreveu Shelley. Ateísta, avesso ao poder constituído e defensor de direitos iguais para as mulheres — há quem chame essa postura de “feminismo” —, viveu como se fizesse parte de seus textos. Diz-se que coabitava a três com a mulher, a escritora Mary — autora de Frankenstein, de 1818 —, e sua meia-irmã, Claire. Nas alcovas relatam outro episódio rumoroso: o casal teria feito amor pela primeira vez em cima do túmulo da mãe dela. P.B. Shelley nunca foi para amadores.
O pai de Urano
Poetas, seresteiros, namorados, chorai, porque haverá melancolia quando olharem para o céu. Morreu em 25 de agosto passado, em Slough, aos 83 anos, um homem fundamental, o astrônomo alemão radicado na Inglaterra William Herschel. Foi ele quem, em 1781, ao procurar por estrelas duplas no firmamento, notou um desconhecido corpo cósmico, que inicialmente tomou por um cometa, mas que é um planeta: Urano. A descoberta lhe deu fama em toda a Europa. Celebre-se a grandeza de Herschel, o primeiro presidente da Royal Astronomical Society.
Tristeza no salão
Paira um silêncio doloroso no Hôtel des Monnaies, em Paris, no sexto distrito. As portas fechadas indicam a interrupção dos saraus e das longas discussões de filosofia e política promovidas ali por Sophie Marie Louise de Grouchy, a Madame de Condorcet. Desde a aurora da revolução de 1789, o salão de Sophie virou ponto de encontro de personalidades como o americano Thomas Jefferson e o britânico Adam Smith. Exímia tradutora do inglês para o francês, a dama sempre se mostrou incomodada com as versões que circulam na França da Teoria dos Sentimentos Morais, de Smith, e tratou de pô-la novamente no idioma de Voltaire. Querida por seus pares de longas noitadas, Sophie — nascida no seio de uma família riquíssima — atraiu imensa antipatia da nobreza, que a reputa como traidora desde que as cabeças começaram a rolar com a revolução. Ela morreu em 8 de setembro, aos 58 anos, depois de longa enfermidade.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2022, edição especial nº 2805