Menos de uma semana depois da fracassada tentativa de entrar na Venezuela à força com toneladas de comida, remédios e insumos de primeira necessidade enviados pelos Estados Unidos, os venezuelanos retidos na Colômbia após o fechamento das fronteiras começam a se sentir abandonados pelos políticos opositores ao ditador Nicolás Maduro. Ao longo de semanas, eles foram convencidos por deputados de seu país a participar de um “tsunami” humano, que seria capaz de convencer os soldados da Força Armada Nacional Bolivariana a abrir caminho para o comboio carregado com produtos enviados pela Usaid, agência americana para o desenvolvimento internacional. Com a operação frustrada, os líderes desapareceram das ruas da colombiana Cúcuta.
“Estavam aqui no sábado (23), mas não apareceram mais. Estamos aqui por nós mesmos, não nos ofereceram nem comida, nem ajuda, nem nada. Ninguém veio aqui”, conta Roberto Alengrano, um ex-pedreiro de Mérida que hoje trabalha como carregador de malas na Ponte Simón Bolívar, por onde passavam mais de 40.000 venezuelanos todos os dias até o fechamento da fronteira.
Ao lado de centenas de venezuelanos que estão na Colômbia, Roberto continua enfrentando os militares de seu país. Todos os dias, eles montam grupos de combate e, armados com pedras e coquetéis molotov, atacam os soldados. Ora sobre a ponte, ora sob ela e cruzando ilegalmente o Rio Táchira, que separa os dois países. Mais de 300 deles ficaram feridos nesses embates, e cerca de quarenta permanecem internados. Dois deles foram feridos por tiros de munição letal.
“Na Venezuela é sempre assim. Eles são as figuras públicas, nós somos o povo. Sempre estamos na luta, enquanto eles estão dando ordens”, diz Roberto, pai de dois meninos. O mais novo ele não vê há ano e meio, desde que saiu da Venezuela.
Como os mais de 300.000 venezuelanos que atenderam ao chamado do autodeclarado presidente interino do país, Juan Guaidó, para participar do Venezuela Aid Live — concerto organizado pelo bilionário americano Richard Branson no dia 22, na Colômbia —, Roberto não conseguiu se aproximar dos novos líderes políticos. Os deputados, empresários e antigos políticos contrários ao chavismo assistiram aos shows em uma grande área vip na entrada da Ponte de Tienditas, com banheiros e farta distribuição de água.
Ao povo foi reservada uma área de terra batida, com pouca infra-estrutura. Sob um calor de quase 40 graus, desmaios eram frequentes. Os dois grupos foram separados por duas linhas de grades. Entre elas, soldados colombianos montados a cavalo e armados com espadas impediam aventuras. Guaidó chegou ao concerto no final do dia, mas preferiu não subir ao palco para saudar a multidão. Do chão, ao lado dos presidentes da Colômbia, do Chile e do Paraguai, ele tirou selfies. Mas o grupo se manteve rodeado de seguranças e inacessível aos manifestantes.
No dia seguinte, Guaidó optou também por ficar distante do público, que em boa parte dormiu na entrada da Ponte de Tienditas. Os seus apoiadores acreditavam que seguiriam ao lado do novo líder da oposição em uma marcha triunfal até a Venezuela, com as toneladas de carga enviadas pelos Estados Unidos. Foram frustados logo no início da manhã quando soldados colombianos proibiram a entrada de populares ao complexo aduaneiro onde a carga estava armazenada.
Lá, Guaidó, acompanhado dos presidente da Colômbia, do Chile e do Paraguai, além do secretário-geral da OEA, fez um pronunciamento prometendo, mais uma vez, que a carga entraria na Venezuela de qualquer maneira. Após a fala de poucos minutos, subiu em um caminhão que ameaçou cruzar a ponte. Posou para fotos e, em seguida, isolou-se em um edifício do complexo. Só saiu de lá quase 10 horas depois para dizer que Maduro cometera um crime de lesa pátria.
A população, que aguardava a oportunidade de caminhar ao lado de seus líderes na esperança de derrubar Maduro, se cansou após passar quase seis horas sob o sol, sustentada apenas por biscoitos enviados pelos americanos. Os manifestantes seguiram para a Ponte Simón Bolívar e tentaram enfrentar os soldados com pedras e paus. Foram derrotados pelo gás lacrimogêneo, pelas balas de borracha e pela lealdade dos soldados bolivarianos.