Após diversas tentativas frustradas, o projeto Escola sem Partido avançou na Câmara dos Deputados. Em mais uma sessão tumultuada, com embates entre apoiadores e contrários à proposta, o parecer do relator, deputado Flavinho (PSC-SP), foi lido na comissão especial que analisa o tema. Após pedido de vista coletivo, no entanto, a votação do projeto de lei no colegiado foi adiada por duas sessões do plenário da Câmara. O Escola sem Partido é apoiado pelo presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
A expectativa do presidente da comissão, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), é de que o texto seja votado pelo colegiado na próxima quinta-feira, 29. Por tramitar em caráter conclusivo, caso seja aprovado na comissão e não haja pedido para que o projeto seja analisado em plenário, o Escola sem Partido poderá seguir diretamente para o Senado. Partidos da oposição estudam apresentar recursos para que o texto seja analisado pelo plenário da Câmara dos Deputados.
A oposição têm trabalhado para dificultar a aprovação da medida, chamada por parlamentares de “lei da mordaça”. Para a deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP) os apoiadores da proposta elegeram os professores como “inimigos do Brasil”. Segundo ela, o texto do PL fere a liberdade de ensinar, um dos desdobramentos do direito constitucional à liberdade de expressão.
“Parece que a gente está vendo na prática o que Machado de Assis descreveu no livro O Alienista. Parece que está todo mundo louco aqui, encontrando inimigo imaginário e é o professor que foi eleito para ser o inimigo público número um dessa comissão”, afirmou Marcivânia.
Para os deputados que apoiam a proposta, o Escola sem Partido já é um projeto vitorioso por ter projetado o tema em âmbito nacional. O relator da proposta, deputado Flavinho, argumentou que há diferença entre professores e doutrinadores e que o projeto busca inibir esse tipo de atuação em sala de aula. Para o parlamentar, pais e alunos que se sentem ameaçados por doutrinadores devem poder produzir provas contra eles, por exemplo, filmando-os em sala de aula.
“É um problema crônico na estrutura organizacional do país e nós, mais do que nunca, estamos tentando dar linhas, colocar luzes sobre o que, até então, estava escondido debaixo do tapete”, disse. “Assumi a função [de relatar o projeto] após ouvir o coração dilacerado de um pai ao ver suas filhas sendo doutrinadas dentro da escola”, completou.
O que diz o projeto
O projeto de Lei altera trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação para incluir um artigo determinando que o Poder Público “não se intrometerá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou tentativa de conversão na abordagem das questões de gênero”.
A medida também inclui um dispositivo que impede o desenvolvimento de políticas de ensino e a adoção no currículo escolar, de disciplinas obrigatórias “nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’.”
O texto também estabelece o “respeito às crenças religiosas e às convicções morais, filosóficas e políticas” de pais e alunos, ao colocar como precedência os valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.
De acordo com o projeto, as escolas serão obrigadas a fixar cartazes com deveres do professor, entre os quais a proibição de usar sua posição para cooptar alunos para qualquer corrente política, ideológica ou partidária. Além disso, o professor não poderá incitar os estudantes a participar de manifestações e deverá indicar as principais teorias sobre questões políticas, socioculturais e econômicas.
Ministro critica Escola sem Partido
O atual ministro da Educação, Rossieli Soares, voltou a criticar o Escola sem Partido no momento em que o procurador regional da República do Distrito Federal, Guilherme Schelb, defensor da proposta, é cotado para a pasta por Jair Bolsonaro. Após cerimônia de comemoração dos 50 anos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Soares não quis opinar sobre o nome de Schelb, mas disse esperar que Bolsonaro escolha alguém que “ame a educação” e se colocou à disposição para fazer uma transição no ministério.
O ministro afirmou que o setor “perde tempo” quando discute “coisas laterais” além do que ele considera fundamental para a educação, que é a melhora da aprendizagem dos estudantes. “O Brasil não precisa de um projeto de lei desses [Escola sem Partido]. Não pode ter ideologização e partidarização dentro da escola nem de um lado, nem de outro. Precisa ter ideologia da aprendizagem” declarou Rossieli Soares.
Além de manifestar uma opinião diferente da de seu possível sucessor em relação ao projeto, Soares enfrenta ainda outra opinião divergente: a do seu futuro chefe, o governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), que escolheu o ministro como secretário estadual de Educação. Doria já se posicionou favorável ao Escola sem Partido.